sábado, 18 de maio de 2024

Paisagem do mundo


João Marques | Garanhuns

O céu azul, e as nuvens alvas se estendendo no espaço acima. O campo da frente de casa, até a elevação de um monte, não muito longínquo. Árvores soltas, mato do chão e três caminhos areados que saíam. É importante dizer que saíam, porque a casa onde nasci era a origem. Animais pastando e, de vez em quando, gente caminhando. É a paisagem como lembro. O mundo. O silêncio e, cá embaixo, o verde intenso, juntos formavam a harmonia campestre. Estando eu, menino, à janela da frente ou no terreiro, os meus olhos viam e me deslumbravam. Não era ver apenas, eu pensava tudo.

A existência, eu a percebia, como quem está ante uma surpresa. Existia ali, antes. Eu é que era novo. Menino, como era natural... E que ia crescendo, para meu nivelamento ao mundo. Poder fazer. Importava ser criança, agora, para ir descobrindo como era. E, lúdico, me entreter com as coisas.

Os caminhos eram portas que se abriam, e eu contemplava as curvas. Os pequenos passos, eu compreendia, eram dos caminhos menores, meninos ainda. Viriam, no futuro, as esplanadas, os grandes lances de conquista. Uma vez, num caminhozinho, andava acompanhando imediatamente duas mulheres apressadas... foi preciso correr, para não ficar atrás. Elas andavam, eu corria. Nunca esqueci desse caminhozinho de areia branca, macio, como fosse de nuvem.

O mundo, como uma grande concha, era o da minha impressão. E fazia minhas perguntas... como era? quem fez? até onde ia? Mas as pessoas não sabiam... As poucas  respostas não me convenciam. Eu queria mais. Daí, ser preciso pensar por minha conta. E fiz muitas fantasias, que, afinal, descobri depois pareciam com a realidade. Mas o que ficou para sempre foi essa paisagem do mundo. E prevalece hoje sobre os mais sofisticados recantos do planeta. E, não raro, tanto tempo depois, revejo sentimentalmente a paisagem, e penso no que era, tão impressionante e bela me pareceu ser, nesse despertar da vida.

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.

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