quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Um Companheiro Culto e de Natureza Pacífica

José Gomes Sobrinho

Osman Holanda*

"Não te apaixones por mim não vale a pena"

E quem não era apaixonado por José Gomes Sobrinho? (foto) Bastava conhecê-lo para ver nele uma pessoa terna, amiga e, sobretudo, inteligente. Filho de Garanhuns, maçom, foi membro da Academia Garanhuense de Letras (ocupante da cadeira nº 11 - Alfredo Leite Cavalcanti) e um dos fundadores do Grêmio Literário Ruber van der Linden. Ultrapassou os limites do nosso Estado e fixou residência em Palmas, capital do estado de Tocantins. Ali, lutou  pelo soerguimento da cultura de um povo recém-independente e exerceu com brilhantismo a presidência do Conselho de Cultura, além de haver sido funcionário da Assembleia Legislativa; recebeu o Título de Cidadão fundador do estado de Tocantins. Ali morreu.

Conheci-o, pois, no bar da Perua através de João Marques, presidente da AGL e autor do Hino de Garanhuns. Homem probo, terno, amigo e de índole pacífica, José Gomes, mesmo consciente da fatal doença que aos poucos o consumia, irradiava alegria a todos aqueles que o rodeavam. Em vida foi um exímio defensor da cultura garanhuense. O jornal O Monitor que o diga, através das ricas crônicas por ele escritas.

A versos abaixo são do livro intitulado "Considerações em Dó Furtivo Maior", de sua autoria, para mim autografado em  15 de abril do p. findo. Assim, vejamos a beleza desse poema que fala do dele e dos nossos corações:

"não te apaixones por mim

não vale a pena

meu coração é tão desgastado

como o suspiro final da açucena

não te apaixones

segura o coração

para não vires a sofrer

um dia 

qualquer decepção

porque meu coração

agora apaixonado

ao despertar do sonho

sentir-se muito machucado

Não vale a pena

-isto te asseguro-

esta paixão que já vem tão tarde

e me encontra de alma pequena

A alma que foi dada amor eterno

e fez de minha vida

-toda confundida-

um retrato bem pequeno do inferno".

O poema retro desperta a nossa sensibilidade estética. E sabem por que? Porque os escritos de José Gomes, quando não são poesia são pura prosa poética. Em outras palavras: ele era a própria poesia, como tão bem enfatiza José Sebastião Pinheiro no posfácio Alma e coração do Poeta do livro acima referido:

"Há pessoas que fazem poemas e outras que são a própria poesia. Há pessoas que escrevem muito bem, seguem à risca as regras do ofício e nada mais que isso. Há outras que acrescentam à escrita, além de normas gramaticais, emoções, sinceridade e poesia. Zé Gomes é um poeta que escreve, sente e vive a poesia. Impossível não relacioná-lo aos versos. Por trás de seus às vezes desengonçados óculos, há algo que transcende o normal, à visão comum dos mortais. É a alma e o coração de um poeta. Isto está bem claro neste "Considerações em Dó Furtivo Maior" que nosso alto astral Zé Gomes retira da gaveta para nosso deleite. Versos leves, sentimentos fortes, imagens realmente bonitas. Zé tem esse Dom de nos transportar a mundos oníricos. E que falta nos faz o sonho hoje em dia! "Eu posso ser/um porto/de rio roubado/como pretensões/a mar... "Você é mar, Zé, mas de poesia!"

Em um outro poema, José Gomes, com a veemente destreza que lhe é peculiar, dá, com esmero, brilho especial à Terra de Simôa, ora bendizendo as suas colinas, ora cognominando as suas ruas, ora falando de suas raras belezas:

("são colinas que devo ter escalado

qualquer dia da minha infância...

naqueles tempos seus nomes tinham

mais sabor "magano" "monumento"

"morro do arraial" onde fizeram

um hotel chamado "monte sinai"

que após marchas e contra marchas

agasalha um quartel da polícia militar

onde se hospedam os responsáveis 

pelo binômio lei & ordem em que  

pese os ocasionais deslizes

-do que não se tratará

neste roteiro de lembranças...)

"minha cidade

da "baixinha"

da "rua do rato"

da "rua do cajueiro"

da "rua da areia"

da "rua do mundaú"

da "rua do poço da folha"

-todas elas tinham nome

e preferiam os apelidos

Como eu te quis ser

Minha cidade"

Entre outras belezas por certo

existe o "pau-pombo" êmulo do jardim

botânico prova de amor de um holandês

que não era padre redentorista era 

engenheiro (mecânico ou sanitarista)

e depois dele "pau-pombo" voltou

a se contentar com a posição da árvore

junto com outras devidamente nominadas

mas o parque agora é engenheiro

Ruber van der Linden"

José Gomes através destas e de outras poesias, não só difundiu e preservou a nossa cultura, mas a projetou além fronteiras.

Daí por quer lhe dedique a seguinte estrofe:

José Gomes Sobrinho, o vate dos vates,

Hábil na prosa e bom no improviso,

Claro, eloquente, lógico e conciso,

Igual a Castro, Cícero, Descartes.

Anteriormente, disse, pois, que o enfático vate partiu para o oriente eterno. Quando tomei conhecimento desse fato, grande foi a minha tristeza. Senti-me só - órfão do saber. Senti o desaparecer da cultura, porque  a dele refletia em mim. Enfim, senti a morte de José Gomes como a de ante querido: a de Josefa e Walfredo, meus pais; a de Sandro, meu filho; a de Padre Adelmar, meu educador espiritual e a de tantos outros. A ida destes, é como de Deus, aos poucos, nos resignasse à morte, já que Eros (a apego à vida) se sobrepõe a Tanatus (a morte). Enquanto vida, somos, portanto, a antítese desta.

*Osman Holanda / Jurista, escritor e poeta / Garanhuns, 15 de Maio de 2004. Texto transcrito do jornal O Monitor.

José Gomes Sobrinho (Garanhuns, 1935 — 2004) também conhecido como Zé Gomes, foi um poeta, músico e escritor brasileiro, membro das Academias Palmense e Tocantinense de Letras. Foi também presidente do Fórum Nacional de Conselheiros Estaduais de Cultura. Em julho de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou uma lei que leva o seu nome, e possibilita o ensino da arte e cultura regional na educação básica.

Foto: José Gomes Sobrinho.

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