Mais ou menos alfabetizado, guardava certo respeito ao meio em que vivera. Bebia para poder enfrentar o estado de penúria em que vivia. Essa estupidez tirânica do viver era escarmento aos preconceitos de sua família. Bebia não para esquecer - como certos bêbados de gabinete e alguns personagens de novela de encomenda. Era traumatizado pelos impulsos de seu mundo biológico em decadência. Não chorava nem ria. Proclamava as qualidades inexistentes de seu vasto e poderoso "reinado" de um mundo de ficção.
Simão Ramos Dantas, conhecido por "Simão Dantas". Dizia-se senhor de um grande império mundial. "Era rei de Portugal e do mundo inteiro em geral". Quando lhe perguntava: "Rei Simão" porque você não trabalha e deixa essa vida de beber? Ele respondia pronto lá vem o besta. Você já viu em parte nenhuma do mundo Rei trabalhar. Vocês são minha côrte e por isso são obrigados a pagar tudo para mim, cachaça, comida e tudo quanto o "rei" precisa. Tomando posição de sentido dizia em voz alta: "Eu sou o Rei de Portugal desde o princípio do mundo, por isso domino o mundo inteiro em geral". Na rua 13 de Maio havia um café denominado "Café Tira Teima", cujo dono morreu de bêbado. Encha esse copo de álcool puro, disse um sujeito malvado. Em seguida pegando no copo disse pronto "Rei Simão" beba. E Simão Dantas bebeu como se fosse água. Simão você bebe álcool puro... Ele disse "se eu não bebesse esse copo de álcool como poderia dormir pelas calçadas, num inverno como esse"?
Simão gostava de cantar: "A palmeira é linda bela"... "Rá Rá Rai". Realmente a palmeira é linda e sobretudo imponente. Ergue-se para o azul suspenso dos céus como desafiando o infinito. Mas, ao que parece "Rei Simão" cantava outra espécie de palmeiras. Era uma palmeira diferente das outras, era uma palmeira, cujo talhe enchia o seu coração de saudades de grata recordações. Nas noite enluaradas ele sempre cantava - "a palmeira é linda e bela", até com certa melodia, com certa graça de seresteiro apaixonado da lua. A nossa terra é dona de um céu muito bonito. E as noites de lua daquele tempo era de beleza indescritível. Convidavam a alma noturna da cidade à contemplação do silêncio iluminado pela luz cristalina do luar. E, talvez, por isso "Rei Simão" gostava de cantar: "A palmeira é linda e bela..."
De sete para oito horas da noite o corpo inerte de Simão Dantas estava estirado no chão e coberto por um fino lençol branco, na Rua São Francisco. Quatro velas acesas duas aos pés e duas ao lado da cabeça choravam lágrimas de cera. Algumas prostitutas e um bêbado conhecido por "Alagoano" cantavam litanias religiosas. Era o velório. Cantavam e rezavam. Bebiam e filosofavam sobre o destino e a vida. Assim morrera Simão Dantas - "Rei de Portugal e do mundo inteiro em geral". Seus restos mortais foram velados pelos bêbados e prostitutas. Foi a homenagem mais sincera que a vida lhe poderia prestar. Foi o velório mais autêntico que já se fez ao corpo de um "Rei".
*José Francisco de Souza / Advogado, cronista, historiador e jornalista / Garanhuns, 30 de janeiro de 1982.
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