Em Waldimir Maia Leite o que particularmente me encanta é o seu a-vontade na expressão jornalística conciliado igual a-vontade na expressão criativamente literária. Conciliação nem sempre atingida por candidatos a se realizarem como anfíbios intelectuais dessa espécie. Dessa rara e difícil espécie.
Publicado em livro, o jornalista admirável que foi Costa Rego, não deu certo. O leitor não encontrou no livro do jornalista o calor, a vibração, o gosto imediato de atualidade, que se acostumara a admirar nos seus artigos de jornal. Talvez pressentisse que lhe sucederia o mesmo, Assis Chateaubriand quando permitiu que os amigos, admiradores devotados, reunissem em livro seus artigos impressionantes como expressão jornalística. Já sucedera com seu livro, o de sua mocidade, Na Alemanha, não ter correspondido ao êxito dos seus primeiros e sensacionais artigos de jornal.
Livro é livro e jornal é jornal. Raros os anfíbios que têm triunfado num e noutro.
Em sua expressão jornalística deixa, por vezes, entrever que é ensaísta literário. Mas a sua afirmação como ensaísta literário é especificamente literária.
O caso como que clássico do inglês Gilbert K. Chesterton. Nenhum triunfo maior, no jornalismo do seu tempo. Mas a esse triunfo juntou o de ensaísta literário em temas, até, de sabor filosófico. A sua biografia de Browning - o mais complexo, denso, filosófico, sem deixar de ser lírico, dos grandes poetas de língua inglesa - que o diga. O mesmo carisma do jornalista em expressão de modo algum jornalística: especificamente literária. Mas especificamente literária sem que o carismático Chesterton deixasse de ser o carismático Chesterton. O inconfundível Chesterton. O mestre de uma simplicidade de palavra que não resvalava nunca em simplismo.
Waldimir Maia Leite vem se revelando anfíbio dessa rara espécie. Em livro é de palavra tão sugestiva como em jornal. Em jornal, entretanto, essa palavra é jornalística e nunca aliteratada. Em livro é literária: sem a mínima tendência para subordinar-se a um atualismo tal que a ditasse de todo.
O escritor literário precisa de não condescender com essa espécie de atualismo à procura de popularidade. A popularidade procurada é sempre precária. Tanto o jornalista como o escritor literário precisam de não resvalar no popularesco com o fim de se tornarem populares.
Em Waldimir Maia Leite, o gosto pela palavra magicamente simples é um gosto que não se confunde com vulgaridade. Há nele um quase instintivo repúdio à vulgaridade. Seu gosto pela palavra magicamente simples é uma afirmação de vocação artística. Superiormente artística. Sua arte está no seu escrever anfíbio: tanto no jornalístico como no literário. A artista sempre a comandar a palavra.
Mais: Waldimir Mai Leite é anfíbio de uma outra espécie: em combinar, como brasileiro, duas perspectivas. A perspectiva urbana e a perspectiva rural. Deixou-se recifensizar sem repudiar sua origem de brasileiro do interior: da mesma Garanhuns de que é filho um dos maiores escritores literários do Brasil de hoje. Esse outro brasileiro de Garanhuns, Luís Jardim. Escritor e pintor. Luís Jardim e Waldimir Maia Leite, são afins. Um e outro, juntando no que neles é superiormente criativo, à inteligência, a sensibilidade.
Note-se de Waldimir que, ao recifensizar-se, adotou como filha uma das mais lindas praias do Recife. Filha pela qual vem revelando uma espécie de amor de pai incestuoso. Adotando e amando esse encantador pedaço do Recife, é como se encontrasse, nesse amor, uma ligação com o mar, que lhe faltara à meninice em Garanhuns. Uma ligação com o mar, hoje, tão sua, como tivesse nascido na própria praia de sua adoção.
Este um dos característicos da personalidade de Waldimir presente tanto no escritor literário como no jornalista: o seu raro poder empático. O de por empatia assimilar o que, estando fora dele, pode, e tem se tornado, parte de sua própria pessoa física. De sua sensibilidade vibrátil e de sua inteligência agudamente sintetizadora de assimilações.
O Brasil - e não apenas Pernambuco ou o Nordeste - tem, hoje, em Waldimir Maia Leite, um dos seus mais valorosos intelectuais, dos que, ainda jovens, já são afirmações daquele expressivo talento capaz de contribuir notavelmente para o crescente realce de uma cultura nacional. No seu caso, que através do que escreve em jornal, quer do que produz através de livro.
Fotos: (1) - Gilberto Freyre (2) Waldimir Maia Leite (3) - Capa do livro Terra Molhada.
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