sábado, 20 de janeiro de 2024

O carrossel

Marcilio Lins Reinaux

Marcílio Reinaux*

Toda a alegria e todo encantamento das festas antigas de Garanhuns nos chegam a memória

Quando éramos crianças aqui em [Garanhuns], uma das coisas mais agradáveis da nossa vida era a "Festa de Fim de Ano". Continua sendo, pela lembrança telúrica dessa doce recordação de dias que já vão longe. Passava-se o ano inteiro a espera da festa, fosse pela expectativa de se ganhar presentes, fosse pelo fato de invariavelmente ter uma  roupa e um par de sapatos novos - ou pelo que para nós era mais importante - o desfrutar da festa de rua com todos os maravilhosos atrativos que ela possuía.

E entre os atrativos, para nós, o maior era o "Trivulim" conhecido como carrossel. Naquele tempo a rigor mesmo, só haviam três brinquedos importantes: A roda gigante, o trivulim e os barcos. Outros atrativos eram: "A Mulher-que-Vira-Bicho" e "A Sereia". Hoje as coisas mudaram e os brinquedos são para adultos e crianças, em maior quantidade, como nomes sofisticados frutos das  influências estrangeiras trazidas pelo modernismo. Hoje temos "Casa dos Espelhos", "Trem Fantasma", "Casa-dos-Loucos", "Polvo" e outros.

Ao lado da animação dos movimentos dos brinquedos, a "Missa do Galo" para qual quase nunca chegávamos porque o sono tomava conta e os adultos nos levavam de volta para casa. Mas as barracas de comidas, cobertas de palha, constituíam outro espetáculo agradável no contexto da festa. Ao lado delas e as vezes em ruas transversais da Avenida Santo Antônio, as toldas de feira, com comidas também, muito bem preparadas com raízes de plantas. Vale lembrar ainda as "Barracas de Sorteio", com muitos prêmios pendurados no teto, ou arrumados em prateleiras, a maioria delas utilitários domésticos. Ganhava quem acertava na "roleta" com todos os animais da Roda-do-Bicho. Era agradável passar por perto ouvir o trique-trique da roleta e a voz das pessoas gritando o número do ganhador. Moças, rapazes, senhoras e senhores jogavam nas  Barracas de Sorteio.

Menino ficava de longe, choramingando fosse para dar mais voltas no trivulim, fosse porque o sapato apertava ou ainda porque estivesse com fome ou cansado e com sono. Éramos o diabo de atrapalhado para os adulto, especialmente para as irmãs que  nos levava, a pretexto de acompanhamento. O que elas queriam mesmo era namorar. E a festa de fim-de-ano não poderia ser melhor ocasião para se namorar.

Passados estes anos (uns 40) não temos a certeza se as coisas boas, agradáveis e de gratas recordações destas festas, continuam a ter os mesmos de hoje. Se elas representarem hoje para a meninada, o que representaram para nós, nem tudo está perdido nesta "Aldeia Global" no dizer de Maclohan. Ainda há, pelo menos aqui no interior, a beleza da ingenuidade da criança: a candura da meninada de trança. O passeio de braços dados das moças namoradeiras; o lançar a sorte dos rapazes no "Vira-Latas", ou no  "Tiro-ao-Alvo"; algumas pessoas sentadas nas cadeiras postas nas calçadas de ruas próximas da Avenida Santo Antônio para verem o "sereno" e os passantes.

Toda a alegria e todo encantamento das festas antigas de Garanhuns nos chegam a memória, quando no último dia do ano, aqui na terrinha amada, voltamos  a ver a festa. Vimos tudo: os meninos as meninas de trança, os adultos, o Pastoril com seu "velho", a Banda de Música no Coreto (lembramos da Banda do Seu Xixí), as barracas de Sorteio, a Roda Gigante, o Carrossel (Trivulim) com seus cavalinhos, e enfim o brilho; o brilho da festa. A festa de fim de ano,  mais bela a mais esperada, a mais tradicional  do interior de Pernambuco no nosso entender. Por isso, foi muitíssimo agradável voltar a Garanhuns neste final de ano e anonimamente, querendo ser outra vez criança, perambular descontraidamente por entre a agitação da festa; e ver outra vez o trivulim.

*Escritor, poeta, pintor e historiador / Recife -1985.

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