sábado, 20 de janeiro de 2024

O Sacristão

Edifício do Teatro Municipal, inaugurado em 1925

"Seu padre monsenhor Júlio. Não tem nada não. Se o mundo se acabar, agente se muda pra Piquete" 


Sebastião Jacobina*

A figura do sacristão na vida das pequenas cidades do nosso interior, nesta vastidão nordestina, está gravada nos seus costumes, na vida simples e rotineira, sempre dedicando-se àquele mister por uma forma de devoção religiosa aliada ao interesse próprio por uma remuneração reduzida dos seus trabalhos na igreja, aliciados entre seus bons e simplórios seguidores.

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Sobre a sua atividade principal todos a conhecemos. Ajudam a missa do vigário. No sacramento batismo até antes da reforma litúrgica procedida pelo Santo Padre João XXIII, acolitavam respondendo pelos padrinhos do batizado ou catecúmeno às perguntas do celebrante. Entre outros afazeres, encarregavam-se também de "tocar sinal" quando morria um paroquiano, dobre lento se o defunto fosse adulto e repique (este de ritmo ligeiro e alegre) se o morto era criança ou "anjo". Este dobrar e repicar de sino teria de ser feito durante todo tempo do percurso do enterro ao cemitério. E sobre este uso da Igreja da nossa meninice existia uma espécie de ritual costumeiro: se o primeiro som do dobre ouvido, fosse grave, a pessoa que morrera era homem, se ao contrário, fosse agudo, era mulher. Estas as suas "funções" que em parte me ocorrem na lembrança.

Os organizadores da festa que se realizou por ocasião da inauguração do teatro da cidade

Deles, os sacristãos, como em todas as classes, existem os fatos pitorescos, decorrentes de pessoas simples e despretensiosas em sua maioria, se revestem do colorido de humor inocente que causam, sem que por isto sejam vítimas de sarcasmo na apreciação do que cometem. Antes de tudo são vistos com simpatia e afeto.

Duas dessas manifestações de simplicidade e maneira de ver as coisas à sua volta passarei a  contar. Na cidade de Palmeirina, nossa vizinha. O personagem: o Sr. Bazio, sacristão da paróquia. Estavam reunidos em cavaqueira, pessoas preeminentes do lugar, o Padre Júlio Siqueira, o Juiz Dr. Agenor Ferreira Lima, entre tantos outros, inclusive Hosano Oliveira, observador inteligente e conhecido na arte de imitador de determinadas criaturas da cidade nos seus cacoetes e modo de falar em público. A reunião decorria na casa do Hosano. Um dos circunstantes, comentando noticiário da época largamente difundido nos jornais do País, nos quais um desses profetas periódicos aparece prevendo apocaliticamente o fim do mundo para dentro de poucos anos, indagou do vigário Mons. Júlio, o que achava daquela predição assustadora. O Monsenhor, respondeu citando os Evangelhos nos quais ficara dito que nem Jesus, o Filho, teve conhecimento exato de quando tal fim ocorreria.

O Sr. Bazio ouviu do seu canto, a indagação e a resposta da autoridade religiosa. Interveio então como se tivesse a intenção de sossegar os presentes do que parecia inevitável - à sua maneira de pensar, hipótese de um fato consumado. Mesmo com a assertiva do vigário contrária às predições. E deu  a sua opinião, como forma de solução a quem estivesse apreensivo com a profecia. Dirigindo-se ao sacerdote, disse:

"Seu padre monsenhor Júlio. Não tem nada não. Se o mundo se acabar, agente se muda pra Piquete" (Piquete é uma pequena cidade de Alagoas)..

A outra manifestação, foi na cidade de Correntes, acontecida com uma substituta de sacristão. 

Aqui aparece uma personagem também muito conhecida nas relações da Igreja Católica com seus paroquianos. Aquelas senhoras que fazia parte das associações denominadas vulgarmente como Filhas de Maria e Irmãs de Jesus e que acumulavam à devoção beata a de seladoras do templo. Esta de quem falarei, era a D. Lalá, mulher do "Seu" Joca da padaria.

O sacristão era o encarregado (mais uma "função" dos sacristãos) de tocar o sino marcando as doze badaladas do meio-dia. A maioria da população se orientava pelo toque mencionado naquela hora.  Existiam então a expressão comum: Aconteceu isto no tocar do sino do meio-dia.

Porém um dia o sacristão, "Seu" Manoel, que morava com o padre, por qualquer motivo que não se sabe ao certo, por defeito do relógio do padre ou por distração, fruto da escassa memória que tinha, bateu as doze badaladas quando ainda eram onze horas da manhã.

D. Lalá que morava quase em frente - num nostálgico sobrado, de onde partiam os busca-pés soltados pelo Sr. Joca, festejador das noites de São João - movida por sua atividade de zeladora da Igreja, advertiu-se, já atingindo o horário de uma hora da tarde, que não tinha ouvido o som do sino ecoar ao meio-dia exato. E pressurosa em remediar o engano que iria prejudicar os hábitos dos correntinos, foi apressadamente à Igreja, onde tinha fácil acesso, e à guisa de correção, bateu as doze badaladas anunciando a metade do dia, quando já o horário tinha atingido as  duas horas da tarde ou 14 horas.

*Jornalista, cronista e historiador. Crônica de 12 de agosto de 1994.

Fotos: (1) - Correntes, PE  - Edifício do Teatro Municipal, inaugurado em 1925. (2) - Os organizadores da festa que se realizou por ocasião da inauguração do teatro da cidade. Créditos das Fotos:  Blog do Iba Mendes.

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