quinta-feira, 20 de junho de 2024

Memórias do Monsenhor Adelmar Valença - Parte V

Padre Adelmar na década de 1940

No dia 16 de novembro de 1921, saí, sozinho para o Recife, para prestar exames no Ginásio Pernambucano. Fiquei hospedado no Colégio Arquidiocesano de Olinda, durante  vinte dias. Prestei exames de Português, Francês, Aritmética, Geografia, Corografia e Cosmografia. Só não me saí bem em Aritmética. Não quero me desculpar, pois, em 1921, com a ausência de Agobar, estudei menos; mas, além do ambiente esquisito do Ginásio Pernambucano, fui interrogado em coisas que jamais nos tinham ensinado. Nos 20 dias passados em Olinda, visitava sempre Agobar, no Seminário, e gostava de ver o mar. Num desses passeios à praia, um estudante grande e antipático, mangando de mim, perguntou o que estava fazendo. Respondi que estava "gaivotando".  E ele começou a dizer em voz bem alta: "Gaviotando, gaviotando?" Espantei-me porque ele, já tão adiantado e tão velho, estranhava aquele termo tão apropriado para uma praia. Fui assistir ao embarque do Padre Antero que, de férias, ia para Fortaleza. Nessa ocasião, no navio, ele mostrava o céu estrelado e pedia que identificasse o Cruzeiro do Sul e outras estrelas, numa verdadeira aula de Cosmografia. Visitei, também, o querido 

D. Hildebrando que já estava no Mosteiro. Eu senti uma certa vaidade ao ler meu nome nos jornais, na relação dos aprovados nos exames. Voltei para Garanhuns no dia 6 de dezembro de 1921. Depois, recebi, do Padre Antero, a conta das despesas com os exames, viagens e hospedagem no Arquidiocesano: 177$900. Entregou-me, sorrindo, e disse: "Pagará quando for rico!" Eu sabia que a minha timidez nunca me deixaria ser rico. Contas como aquela, só o céu pode pagar. Em 1922, minha vida no Ginásio foi um desastre. Não havia professores para o 3º anos, disse-me o Padre Antero. Não havia, também, alunos para aquela série, pois os que podiam, iam estudar no Recife. Fiquei estudando somente Matemática e assistindo às aulas das matérias já estudadas antes. Um dia, fui mandado para o quarto do Padre; apanhei dois bolos, os únicos e os últimos. Mas apanhei sem as macaquices e os gritinhos com que alguns apanhavam. Gostei. Passar pelo Ginásio e não apanhar bolos do Padre Antero, era mesmo que não passar pelo colégio. Outra vez, deu-me ele um grito tão grande, que molhei as calças e o mosaico. Que falta fazia, em Garanhuns, um colégio equiparado! Não estudava e, às vezes, fingia que ia às aulas. Aos sábados, nesse ano, eu praticava na mercearia do Sr. Pires, português delicado, casado com D. Maria Eugênia que me tratava como filho. Ganhava 2$000 em cada sábado. Vendia tanta aguardente, que, à note, meu sono era como se estivesse vendendo cachaça. Em agosto, empreguei-me na mercearia de Augusto Machado, na rua do Recife, esquina com o beco da frente do Santa Sofia, ganhando 30$000 por mês. Tive, então, que deixar, com pesar, o cargo de acólito do Santa Sofia. Pela última vez, tomei parte no desfile do Ginásio, a 7 de setembro, ano do Centenário da Independência. Desfile que fazíamos, todos os anos, com nossas fardas brancas, quepe com uma fita verde e amarela e as palavras "Gymnasio de Garanhuns", botões dourados no paletó da farda. Desfiles, nos quais, eu sempre era "Cabo de Esquadra", isto é, Comandante de Pelotão. Deixei, pois, o Ginásio, onde, durante quase seis anos, vivi feliz, admirando sempre o inesquecível Padre Antero. 

Fonte: O Diocesano de Garanhuns e Mons. Adelmar de Corpo e Alma do escritor Manoel Neto Teixeira.

Foto: Padre Adelmar na década de 1940.

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