quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Memórias de Elpídio de Noronha Branco | Parte III

Elpídio de Noronha Branco

Vim para o Recife. Matriculei-me na Faculdade de Direito. Para isso, porém, fui forçado a arranjar um emprego, pois a falta de recursos, visto que minha mãe era costureira e meu pai marchante, aqui não poderia me manter. Foi Antônio Souto Filho quem me deu condições de aqui permanecer. Colocou-me na Pernambuco Tramways. Ganhava eu, então, oitenta mil réis. Pagava pela boia, no Restaurante Macaíba, no Pátio do Paraíso (almoço apenas) quarenta mil e, ainda, daqueles oitenta minguados, mandava vinte, mensalmente,  para a minha mãe. Três meses depois, passei a ganhar mais vinte. Como se vê, não era possível viver com apenas cem mil réis. Nas horas vagas trabalhava como repórter, ou melhor, como "foca", apelido com que era, naquela época, conhecido o repórter inexperiente, sem tirocínio, como era o meu caso. Mas, sabem quanto ganhava um "foca"? Uma caderneta de passe de bonde, apenas. Passei nessa época, a dormir no piso da sede (eu não possuía cama) da Associação Cristã de Moços, sita à rua da Aurora, onde é, hoje, a casa comercial Pinto, Irmão & Cia. Ltda.

Agasalhei-me, muitas noites, com fome, fome de verdade, pois o almoço do Macaíba era fraco e, quando, às vezes, queria tirar desforra no pão, o Belarmino, seu proprietário, me advertia dizendo que o almoço só dava direito a um. Quando a miserável da fome (e só quem já passou por ela pode avaliar sua dureza...) me fazia apertar, o cinturão, por não aguentá-la mais botava o pé no mundo: ia, a pé, jantar com o meu querido Soutinho, à rua Joaquim Nabuco, 189, na Capunga. Ou, como várias outras vezes sucedeu: ia  "apertar" o jantar do Eliezer (um senhor que pertencia à Igreja Presbiteriana, da rua da Concórdia) preparado por ele próprio quando, já tarde, chegava do trabalho. Algumas vezes a coisa dava certo: o Eliezer me oferecia umas colheradas de feijão e um taco de jabá. Mas, de outras, passei a ficar chuchando... nos dedos.

Felizmente, os tempos foram passando e eu melhorando de vencimentos. Na tramways pasei a ganhar trezentos mil réis. E para poder levar, ainda assim, a coisa adiante, procurei, nas horas de folga, fazer uns "bicos". Consegui a confiança de Manuel Guedes Nogueira, conhecido, em família, por Manjuca. Era um homem abastado, que emprestava dinheiro a juros, juros de "vinagre", Sujeitava-me aos mesmos, pela necessidade de obter capital.

Por me haver sido oferecido melhor colocação, com vencimentos superiores aos da Tramways, fui trabalhar, como caixa no American Mercantil Bank, sito à rua do Bom Jesus, onde hoje está instalada uma agência da VARIG.

A sorte não me estava sendo  propícia. É que o banco fechou, logo depois, e eu, novamente, dando de pernas...

Fonte: Memórias Brancas / Elpídio Branco / 1963.

Foto: Elpídio de Noronha Branco.

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