quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Casinha de Dr. Ivan | Família Rodrigues tombam imóvel na Praça Souto Filho em Garanhuns

Casa Tombada na Praça Souto Filho
Casa Tombada na Praça Souto Filho

Por Ivan Rodrigues

No dia do nosso casamento, em 7 de Julho de 1949, ao terminar a cerimônia, fomos morar neste endereço, na cidade de Garanhuns - eu e Dulce!

A praça era apenas um arremedo, tinha apenas três casas e a rua não era, sequer, calçada. Vizinhos, de um lado, o Prof. Uzzae Canuto, na casa que pertencera ao Reverendo William Thompson, que considero “o mais garanhuense dos missionários americanos que aqui aportaram”, e do outro, o meu querido primo e compadre Zito Branco. 

Do outro lado da rua, o longo muro que cercava o Colégio 15 de Novembro e - à esquerda - a sede bonita do Sport Clube de Garanhuns, hoje desfigurada.

Ivan Rodrigues e D. Dulce na comemoração dos 60 anos de casamento
A casinha ainda está lá fincada e continua a oferecer a mesma paisagem: Casa simples, pequena, murinho baixo vasado por uma grade de ferro bem fininha que não perturba a visão da paisagem que oferece; o ineditismo de um inusitado juazeiro junto às flores do jardim em frente da casa; um quintal grande com pitangas, acerolas, abacates, bananas, goiabas, carambolas, seriguelas, (objetos de cobiça de um bando de perambulantes saguins que não dão sossego), e - para garantir boas saladas - nunca faltam couves, coentros, salsas, espinafres, e vai por aí afora.

Até a conta de luz emitida pela Celpe traz, em seus detalhes, um endereço inconfundível e de autor desconhecido (juro que não fui eu ...): “Praça Souto Filho, 71. Em frente à Fonte Luminosa” !. Usei a Fonte, durante muitos anos, para criar um belo repuxo artificial de “NEVE”, adicionando às suas águas belos pacotes de sabão em pó cheiroso, que lhe dava novas características e proporcionava belas fotografias – ostentando a “neve de Garanhuns” - aos turistas que aqui aportavam durante o ano inteiro.

Zé Ivan
Grupos de rapazes e moças que, curiosamente, paravam em frente para admirar a casa com todas as portas e janelas escancaradas, e de forma curiosa, surpreendidos com as prateleiras da parede fronteiriça da sala, entulhada de livros, que davam à casa uma impressão de algum órgão cartorário, puxavam e curtiam uma boa conversa, sentavam no terraço comigo, bebiam meu vinho e só saíam tarde da noite.

A minha longa vida profissional obrigou-me a uma segunda residência no Recife, mas nunca me afastei dessa “casinha” charmosa, simpática e fascinante, em que criei filhos e netos, alguns ali nasceram, inclusive sobrinhos e, mesmo sem que se apercebesse, criou-se uma verdadeira mística na família em torno de sua existência. 

Parece existir um certo fascínio, uma sedução e uma aura que a circunda e atrai a atenção das pessoas que por lá transitam. Não é referência de fatos históricos, não possui qualquer componente invulgar, nunca foi palco de atrações retumbantes nem ocorrências excepcionais. É apenas uma casa como as outras...

A última pintura nela realizada conjugou uma variedade de cores surpreendente que lhe emprestou uma imagem (na opinião da família) que atrai a admiração de quem passa, dos estudantes que frequentam regularmente a praça e até dos turistas que aqui aportam durante o ano inteiro.

Ivan e seu filho, Pedro Leonardo
Levei muito tempo, procurando entender os motivos dessa atração que contaminava, inclusive, os estranhos que passavam por ela e no que diz respeito à família, é impressionante o apego, o carinho e a afeição que todos dedicam à modesta casa.

Meu filho falecido, José Ivan, foi procurado certa vez por um seu amigo que lhe interpelou: “Zé Ivan, Dr. Ivan não vende aquela casa da Praça Souto Filho, não?”, ao que meu filho respondeu de pronto: “Dr. Ivan não tem casa, não! Aquela casa é da família e não se vende, não se aluga, nem se troca!”.

Noutra ocasião, uma moça bateu na porta e quando atendida por Dulce, foi logo perguntando se ela era a dona da casa. Com a confirmação, ela pediu para que a casa lhe fosse mostrada, pois era apaixonada por ela e não cansava de “namorá-la” toda vez que passava na sua frente. Dulce mostrou-lhe a casa, advertindo, desde logo, que ela iria se decepcionar, pois a casa era modesta e não tinha qualquer atração especial; mostrou-lhe a simplicidade da casa, percorrendo com ela todos os seus cômodos. Encerrada a “visita”, a moça agradeceu o que considerou uma gentileza e lhe fez uma singela e espantosa pergunta: “A senhora não tem um filho, pra eu casar com ele e vir morar aqui”?, ao que Dulce lhe respondeu com toda a sinceridade que lhe era peculiar: “Nem invente, que você sai perdendo!”

A força da singularidade dos casos que a casa, recalcitrante, oferece; a história de quase 70 anos de convivência regular do casal e dos descendentes (filhos, netos e bisnetos), inclusive aderentes; o apego e carinho que todos sempre lhe dedicaram; a exultante alegria que revestiu a compreensão de todos os netos que transformaram o fato em festa; a generosidade e desprendimento de meu filho Pedro Leonardo que, junto com minha querida nora Malú, demonstraram ao aceitar todas as restrições impostas pela doação, como a reserva de usufruto, antecipação da legítima parte, e o encargo de preservá-la em sua forma atual, etc.; firmaram minha disposição, junto com Dulce, de criar uma regular permanência da “CASINHA DE DR. IVAN”, preservando sua inteireza física, arquitetônica, estrutural, perante algumas gerações atuais e vindouras.

Os sonhos despertos; as visões idealizadas; os desejos imaginados; as soluções arquitetadas; as decisões tomadas na busca incessante pela preservação das coisas boas da vida que nos fazem bem e alegria, e nos induz a repelir o conformismo da aceitação das esquisitices de uma falsa modernidade; e a constatação do manifesto inconformismo da população de Garanhuns, pela destruição de alguns imóveis referenciais de nossa terra.

Porque deveríamos aceitar, como inexorável, a destruição das coisas bonitas, singelas e simples do nosso quotidiano, através da inútil intenção de uma falsa modernidade? Não encontro bem estar nos espigões, nas escadas rolantes sem fim, nem adereços modernosos; considero uma maravilha as facilidades da tecnologia, mas não me escravizo aos seus condicionamentos; não me sensibilizo com comidas enfeitadas “de capa de revista”, impostas pelos “chefs” famosos; já vivi quase 90 anos com opções definidas por uma vida despojada e de poucas ambições materiais; uma vigilância atenta para descobrir e assegurar a beleza das simplicidades que fazem a VIDA BELA e me conferem a situação de ser um HOMEM FELIZ, como diria meu velho pai Zé Batatinha, a despeito de todas as agruras e dissabores que enfrentamos no dia a dia.

Por todas essas razões é que queremos avisar aos parentes, amigos e a todos que nos conhecem: Já firmamos a necessária escritura pública estabelecendo uma decisão da família, agora consolidada: a “CASINHA DE DR. IVAN”, NA PRAÇA SOUTO FILHO Nº 71, GARANHUNS, doravante não poderá ser alterada, nem modificada, e, muito menos derrubada, para garantir - como concretas e permanentes - as imagens do sonho de um velho maluco e de sua abençoada família (Ivan, Dulce, os filhos Pedro Leonardo e José Ivan (aonde estiver!), os netos Felipe, Marcelo, Cesar, Maria Laura, Ivan Neto, Danilo, Erica, Sofia, Clara e os bisnetos Maria Alice, Rebeca, Caio, Lara Giovana, Marina, Maria Clara e Hugo).

A casinha da Praça Souto Filho foi tombada pela família e todos nós esperamos que, durante muitos e muitos anos além, a imagem acima seja mantida incólume.

Fonte: Blog do Jornal O Século

Fotos: (1) e (2) - Casa Tombada na Praça Souto Filho, (3) - Ivan Rodrigues e D. Dulce na comemoração dos 60 anos de casamento, (4) Zé Ivan  (falecido), (5) - Ivan e seu filho, Pedro Leonardo.

Crédito das fotos: Ronaldo César.

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