Américo Maia | Jornal O Monitor | Garanhuns, 15 de Setembro de 1979
Pouco menos de um ano, eu havia percorrido aquelas estradas alvas, longas, na mais louca das alegrias, ao lado daquela que formava o quadro florido da minha existência. Hoje, cheio de tristeza, quão Martim quando voltava à terra natal, levando nos braços o fruto do triste amor com Iracema, eu vinha, também, com o meu filhinho nos braços na mais cruel das agonias. Fôra naqueles sítios onde ela, poucos meses antes, passara os dias mais formosos de sua vida, quando ali fomos em visita à sua família.
Quanta tristeza nesta viagem! Quantas lágrimas! Quanta recordação! É que eu queria percorrer aquelas estradas, orvalhá-las de lágrimas de verdadeiro sentimento, como um preito de homenagem à sua santa memória. Uma légua de distância, e já a JUÇARA se descortina através dos montes, a princípio parecidos intransponíveis, mais cavalgados graças ao poder da Natureza, e ao braço forte do homem. Calada, a pequena caravana era apenas interrompida pelos meus soluços e pelos gorjeios da passarada que ia despertando.
Pleno dia. Eu continuava a chorar, como a rola que perde a terna companheira. Em cada árvore eu via escrito o seu doce nome, e cada pássaro que esvoaçava ia, ao meu ver, soltando tristes endechas em sua memória. Triste viagem esta minha! Horas dolorosas em que senti n'alma a saudade ferir-me, horrivelmente, com o delicioso pungir de acerbo espinho! Uma ligeira refeição, e eu me internava por todos aqueles lugares, onde outrora tínhamos andado felizes, lado a lado, na mais santa das harmonias. Eu, chorando, via gravado em cada árvore o seu querido nome em letras de lágrimas. E cada ave que cortava o espaço, parecia chamar por ela, como a arara chamava por Iracema. Luisa! Era o eco que eu ouvia por todos os recantos. Luisa! Luisa! Era o brado que saía de meu peito e ía reboar de quebrada em quebrada. Luisa! Luisa! Vem a noite, e com ela aumenta ainda mais a minha aflição. De um lado, a velha mesa de refeições contendo um santuário cheio de imagens, no meio das quais um Cristo todo mutilado, coberto de sangue.
Do outro, o velho leito... redes armadas em toda parte da casa. Tudo me fazia chorar, pois em tudo eu via o seu retrato. Toda uma noite de lágrimas e penosas recordações! Aguardava ansioso o nascer do dia, para daquele lugar tão cheio de lágrimas e saudades. Nasce, enfim, o dia. Mais compungente e mais doloroso, foi para mim o despertar da nova aurora pois lá do fundo da mata saía um canto choroso e incessante, que me elevava aos paramos do desconforto. Era o canto das cauãs.
Elas cantavam chorosamente, saudosamente, como que também sentido a mágoa que eu sentia. Cauã! Cauã! Cauã! Quase louco, a chorar doidamente, saí mata a dentro afim-de-ver aquelas aves, para lhes implorar que não mais aumentassem o meu sentimento. Debalde, porém! Quanto mais andava, mais forte ia-se tornando o canto lúgubre.
Cauã! Cauã! Muitas vezes ela, a minha boa Luisa, me falava das cauãs, dizendo que, naquele sítio, o que mais apreciava, ao nascer do dia, era o seu canto triste. Mais triste mais choroso, saí da mata, se guindo caminho da cidade; porém, quanto mais distante ia ficando a JUÇARA, mais agudo ouvia o canto saudoso, que fazia eco em meu pobre coração.
Cauã! Cauã! Cauã! Triste, muito triste, chego à cidade. Nenhum consolo encontro além da inocência de meu filhinho, rebento do meu amor com a minha Luisa amada, que a morte - a insaciável destruidora - me roubou tão cedo. E ainda hoje, em qualquer lugar onde eu esteja - em casa, na rua ou no cemitério -, ouço bem vivos, bem fortes, os ecos inesquecíveis que soam dolorosamente, aos meus ouvidos. Cauã! Cauã!
Nenhum comentário:
Postar um comentário