Valter Teixeira | Foz do Iguaçu
Ao ler "Poema Rural da Guarda", recém publicado, lembro e penso no conjunto da obra, no conglomerado das publicações. Reflito sobre a coragem de expor ideias, o destemor de ponderar sentimentos, a intrepidez de anunciar reflexões. Publicar um livro, tem significância de gerar um filho que brevemente pertencerá ao mundo, ao todo além de nós, em rotura parcial do laço com nosso abraço de permissão. Entrará em dinâmica imprevista e impensável das relações afetivo emocionais e conceituais, em processo contínuo de transformações e metamorfoses.
Analiso a "paternidade" como condição de alegria e júbilo, satisfação e deleite, mas também de temores e dores. O "filho" será nossa extensão e desdobramento, carregará nosso DNA e código de genes, mas com marca registrada peculiar que mudará de fisionomias e expressões na dependência de si mesmo, da sua história, escolhas e também de outros, de terceiros interferentes.
No entanto, o "filho" é de fato e para sempre nosso e eternamente concebido do mesmo vermelho rutilante sangue que circula em nosso corpo em emoções e passará a pertencer ao mundo, mas chegará o dia em que haverá de perceber que o mundo que mais abunda é o mundo do próprio "eu". Um livro trás a bagagem intrínseca da alma do autor, sendo a mensagem referencial, alusiva e respeitante, antes da obra, antes e além do suposto filho.
Quando leio mensagens postadas em Redes Sociais aplaudindo em elogios fartos o recém lançado Livro "Barro", já basta para solidificar o entendimento de que tudo valeu a pena, o esforço, a luta. Como leitor, estou impaciente para ver em rápida progressão o "rebento" agitando braços e pernas graciosamente e recebendo afagos dos apaixonados. Enquanto fascinado por literatura, quero logo ler e aprender, meditar e evoluir. Na condição de amigo do pai autor, quero ser tio, padrinho e protetor do recém nascido que centra atenções, torna a casa muito mais feliz, mas avança rápido em maturação vivencial e influência geral.
Ao escrever em franca poesia "Eu me guardo rurígena", expressou em beleza cintilante celebração à origem. Vislumbro-me no meu passado longínquo, percebo-me homem do campo, da roça, de pés descalços no chão.
Em "E para ser livre, liberto o ser nas desamarras do vento", comovo-me ao relembra-me menino a passar momentos em peito desnudo confrontando em braços abertos o vento forte que zunia, intencionando o voo definitivo da libertação.
Ao citar "A flor do tempo e da chuva floresce em minhas mãos", o perfume silvestre das flores do campo conforta, insufla e persuade a memória a manter o elo do primeiro pulsar.
Ao ler "Toco no corpo a leveza de me sentir livre a guardado, como se guarda a alma, como se preparam os campos", papo no tempo a beleza de me sentir parte, a graça de me perceber fração, a exultação de ser filho do tempo, do vento, do mistério.
O reconhecimento ao "Poema Rural da Guarda" e o alumbramento renovado do primeiro respirar nos campos da ascendência, nos lugares ancestrais que provocou, devo ao poeta.
O devotamento ao berço é o pêndulo da gratidão mantida que preservo. A guarda dos campos de onde vim permanece intensa no solo dos valores que trago em mim.
POEMA RURAL DA GUARDA
João Marques dos Santos (foto)
Eu me guardo rurígena..
pele e expressão do rosto
externo os braços
e o alisamento
das dobras da camisa
e para ser livre
liberto o ser
nas desamarras do vento
fico aguardando sereno
o irrompimento dos clarins
anunciando a paz
que se enrama relva
os campos verdes
os céus verdes
nenhum grito de morte
e os carneiros espontâneos andam
comendo os pastos
os bois ruminarão
a noite que vem e o canto
assombroso das corujas
o azul em cada gesto da distância
a flor do tempo e da chuva
floresce as minhas mãos
que amadurecem as palmas
as sementes pelos dedos
saio gotejando águas mansas dos
lagos andanças dos céus
e a evaporação de mim
enquanto os frutos cairão
toco no corpo a leveza
de me sentir livre
e guardado
como se guarda a alma
como se preparam os campos.
Texto transcrito da Revisa Cultural O Século | Junho de 2023
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