sexta-feira, 11 de agosto de 2023

A História da Família Gueiros | Parte II


David Gueiros Vieira*

Um dos filhos de Manoel da Silva Gueiros - o único deles a receber o nome de Gueiros - Antônio da Silva Gueiros, casou-se com Inocência Maria de Jesus, e produziu, que se saiba, onze filhos, tendo todos eles recebido o sobrenome Gueiros:

O nobre olindense Bernardo Vieira de Mello lutara na guerra contra os holandeses, e já em idade bem avançada, comandara também a milícia pernambucana na guerra aos quilombolas. Esta milícia, conforme já sugerido, poderia ter sido aquela na qual teria lutado o capitão Micael de Amorim Souto (Cavalcanti, 1962). Preso e deportado para Lisboa, juntamente com outros conspiradores, Bernardo Vieira de Melo morreria logo depois na prisão do Limoeiro (Oliveira Lima, 1895). Por um capricho da sorte, parte de suas terras no Buíque seria depois vendida a Manoel da Silva Gueiros, bisneto do "mascate" recifense Antônio Vaz da Costa (Cavalcanti, 1968) .


Voltando a Micael de Amorim  Souto. Conforme já mencionado, sua mulher Maria Paes Cabral era neta do casal recifense Antônio Vaz da Costa e Luiza Dantas Soares. Este Casal era dono de terras adquiridas em 1706, nos Campos dos Garanhuns, tendo produzido oito filhos e filhas, uma das quais - chamada Maria da Paz - foi a mãe de Maria Paes Cabral, mulher de Micael de Amorim Souto. A descendência de Antônio Vaz da Costa, através da filha Maria da  Paz - pondo-se de lado outros sete filhos da mesma - foi a que segue:

Considerando-se quão diminuta era sociedade pernambucana - de acordo com Oliveira Lima, o Recife, em 1710, tinha apenas oito mil habitantes - e que casamentos naquela época eram arranjados pelos pais dos nubentes, de acordo com fortuna, terras e títulos de nobreza ou fidalguia, Micael de Amorim Souto casou-se muito bem (Cavalcanti, 1962).

Afirma Cavalcanti haver indicações cartorárias da presença de Micael de Amorim Souto e sua mulher Maria Paes Cabral na região dos Garanhuns, a partir de 1704. No entanto, sua compra das terras em Brejão de Santa Cruz só ocorreria 13 anos depois, em 1717.

Impressiona o número de patentes militares que figuram na relação dos que obtiveram propriedades naquela região, depois da Guerra dos Palmares. Isso não significa necessariamente que todos tenham sido veteranos daquele conflito. Tais patentes indicavam apenas serem portadores oficiais da milícia pernambucana, pois na época todos os colonos brancos prestavam serviço militar obrigatório.

É necessário lembrar, mais uma vez, que nos tempos coloniais o elemento português estava em clara minoria entre os africanos escravizados e os índios da terra. Assim, a "lei, ordem e respeito" eram mantidos pela violência, de responsabilidade de uma milícia composta de todos os colonos portugueses, alguns dos quais recebiam patentes militares. Essas em geral eram compradas, ou gratuitamente outorgadas pelo próprio rei ou pelo governador da colônia. Tempos mais tarde tais patentes seriam da Guarda Nacional, quando essa instituição foi criada em 1831, até 1922, quando extinta.

No sistema de milícias coloniais, as pessoas de maiores posses compravam patentes de coronel, major e capitão; e os menos financeiramente aquinhoados adquiriam as de tenente ou de alferes. Essas lhes outorgavam poderes e direitos extraordinários, e ajudavam impor respeito e "o temor de Deus" aos índios, africanos, caboclos e até mesmo aos portugueses menos afortunados da sorte, poderes esses não apenas para a manutenção da ordem, mas também em  defesa dos privilégios e terras da pequena elite branca dominante.

Para que se tenha uma ideia de quão diminuta sempre foi  a população branca no Brasil, basta consultar o levantamento da população do Império, feito em 1845 pelo Dr. Robert Avé-Lallemant, médico alemão, residente no Rio de Janeiro. De acordo com o mesmo, de uma população brasileira de 4.060.000 habitantes, em 1845, apenas 900.000 eram brancos, 1/3 deles de nacionalidade portuguesa. Ou seja, em meados do século dezenove, apenas 22,16% da população do Brasil era branca, e/ou de etnia portuguesa (Avé-Lallemant, 1953).

Nos tempos coloniais, aos quais nos referimos essa proporção de brancos reinóis era bem menor ainda. Em 1575, informava Pero de Magalhães de Gândavo, toda a capitania de Pernambuco tinha apenas 1.000 "vizinhos", ou seja, colonos portugueses.

A razão do orgulho mochileiro era também outro, informa-nos Mário Márcio de A. Santos, autor de Anatomia de Uma Tragédia - A Hecatombe de Garanhuns: eles eram brancos, de pele alva e, em geral, de cabelos louros ou alourados, de olhos verdes ou azuis, e se diziam descendentes do "holandeses" (Santos, 1997). Não especifica Santos quem teriam sidos esses holandeses, ou descendentes seus, que teriam estabelecido nas terras da Mochila. Essa versão, que para mim é um mito, tem sido repetida por muitos que tem escrito sobre o assunto.

O capitão Micael de Amorim Souto, não satisfeito com apenas a propriedade da Mochila, anos mais tarde, em 2 de dezembro de 1744, comprava de seu sócio Pedro Rodrigues de Pontes, por 90$000 - noventa mil - réis - o restante da propriedade do Saco, tornando-se proprietário de todo aquele vale. No entanto, a posse judicial da nova terra só seria outorgada, a 10 do mesmo mês, à viúva dona Maria Paes Cabral, por haver nesse ínterim falecido o capitão Micael de Amorim Souto. Como já observado, a julgar pelas quantias gastas nessas aquisições de terra, esse senhor era um sertanejo "abastado".

O Casal Micael de Amorim Souto e Maria Paes cabral, como já visto, produziu apenas uma filha: Maria do Rosário Cabral. Essa se casou com Manoel Dias da Silva, a quem deu cinco filhos, um dos quais recebeu o nome de Manoel da Silva Gueiros, sendo este, o primeiro nome Gueiros na região dos Garanhuns. O que nos leva a mais uma vez observar os sobrenomes díspares que quase sempre eram dados aos filhos de um mesmo casal.

Daí a pergunta: de onde teria Manoel Dias da Silva buscado os nomes que deu aos filhos? Neste ponto da pesquisa, não é possível respondê-lo ao certo. Não se sabe nem mesmo de onde veio Manoel Dias da Silva. Presume Cavalcanti que o mesmo tenha vindo de Sergipe ou da Bahia, via Serra do Comunnati, em Águas Belas, região essa que fazia parte da grande expansão de criação de gado comandada pela Casa da Torre, e administrada pelo latifundiário baiano Francisco Garcia Dias d'Ávila. Esse senhor, após a destruição dos índios caetés, que ocupavam toda aquela região, iniciara a colonização da mesma, e chegara a possuir 260 léguas quadradas de terra ao longo do São Francisco, ou seja, inacreditáveis 1.560 km² (Cavalcanti, 1965). Essas propriedades de Garcia d'Ávila estendiam-se muito além das margens do rio São Francisco, chegando à Paraíba e ao Piauí.

Cumpre lembrar aqui - e a razão disso ficará bem patente abaixo - que Francisco Garcia Dias d'Ávila era também cristão-novo, assim assevera Francisco Antônio Dória, em seu trabalho, intitulado Os Herdeiros do Poder. Mais ainda, afirma Dória que ele era descendente de Diogo Alves, o famoso "Caramuru", igualmente cristão-novo (Dóri, 1994). Essa informação é confirmada por Luiz Alberto Moniz Bandeira, em seu livro, intitulado O Feudo.

Fonte da Pesquisa: Livro Trajetória de uma Família "A História da Família Gueiros" de David Gueiros Vieira / Editora Nossa Livraria - Primeira Edição / Julho de 2008.

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