O ciclo de palestras do II FLIG foi concluído com o jornalista Gilvando Paiva falando sobre Augusto Calheiros, considerado a patativa do Norte, ao ensejo dos 50 anos de sua morte. O próprio conferencista entoou alguns dos sucessos que consagraram o homenageado, à noite do sábado (7). A seguir a palestra.
1. Antecedentes
O sucesso da música típica nordestina no sudeste do país começou no limiar do século passado com João Teixeira Guimarães (que mais tarde viria a ser conhecido como João Pernambuco). Ele nasceu em Jatobá (PE), em 2/11/1883.
Ainda adolescente, foi morar no Recife, onde conheceu cantadores famosos e com eles passou a se apresentar em feiras. Foi nessa época que aprendeu a tocar violão, tornando-se exímio violinista logo cedo.
Em 1902, aos 19 anos de idade, foi para o Rio de Janeiro e ali fez amizade com grandes músicos que estavam em evidência, e estes lhe puseram o apelido de João Pernambuco.
Alguns anos depois, conheceu o poeta maranhense Catulo da Paixão Cearense, que fazia sucesso publicando livros de versos e modinhas. Mas, até 1912, Catulo ainda não havia produzido nada em linguagem sertaneja, principalmente com motivos nordestinos.
Certo dia, Catulo entusiasmou-se com uma música denominada "Coco das Emboladas" que João Pernambuco estava cantando em uma de suas apresentações. E, plagiando a melodia, compôs "Caboca de Caxangá", utilizando palavras colhidos do repertório de João Pernambuco. Porém, nas edições impressas e gravações, Catulo não colocou o nome do parceiro.
O fato repetiu-se em 1915, quando Catulo compôs "Luar do Sertão", apropriando-se de melodia de João Pernambuco, mas registrando-a apenas em seu nome.
Durante a década de 1910, a nova moda musical, com temas sertanejos, especialmente os nordestinos, passou a dominar os meios culturais da capital da República, com inúmeras publicações e revistas-teatrais abordando o tema.
Em 1914, por exemplo, nos três dias de Carnaval desfilou pelos principais pontos da cidade o conjunto popular denominado "Grupo do Caxangá" cantando músicas sertanejas. Dentre seus componentes, com roupas típicas e chapéus de palas dobrados exibindo seus nomes-de-guerra, estavam, além do idealizador João Pernambuco, ostentando no chapéu o nome Guajurema. Donga (Zé Vicente), Caninha (Mane do Riachão) e Pixinguinha (Chico Dunga).
1.1 Os Turunas Pernambucanos
Em 1921, esteve no Recife o conjunto "Oito Batutas", liderado pelo flautista Pixinguinha e que surgira por influência do "Grupo do Caxangá". Suas apresentações na Capital pernambucana inspiram a criação de um novo conjunto regional. Nascia assim os "Turunas Pernambucanos", cujos integrantes eram, entre outros: Severino Rangel (Ratinho), saxofone; José Calazans (Jararaca), violão e canto; e Romualdo Miranda (Bronzeado), violão. Havia ainda outros componentes com violão, cavaquinho, reco-reco, pandeiro e ganzá.
No ano seguinte, 1922, os Turunas Pernambucanos foram para o Rio de Janeiro se apresentar no cinema Palais. Durante essa temporada, outros músicos que já moravam no Rio uniram-se ao grupo, como Felinto de Morais (Caxangá), violão; Jacob Palmieri (Jandaia), pandeiro; e João Guimarães (João Pernambuco), violão.
Nessa turnê, várias músicas interpretadas pelo grupo tornaram-se sucesso, principalmente as compostas por Jararaca: "Vamo Apanha Limão", "Espingarda... pá" e "Sapo no Saco".
1.2 Os Turunas da Mauricéia
Em janeiro de 1927, chegava ao Rio de Janeiro outro conjunto musical recifense. Denominava-se "Turunas da Mauricéia", nome sugerido pelo historiador e jornalista Mário Melo numa alusão a época da presença holandesa em Pernambuco. Dentre seus componentes, destacavam-se: Augusto Calheiros, já com o apelido de "Patativa do Norte", devido à sua voz afinadíssima e seu jeito peculiar de cantar; Romualdo Miranda (Bronzeado), violão (seu irmão Luperce só juntou-se ao grupo meses depois); João Miranda (Riachão), bandolim; e Manoel de Lima (Periquito), violão.
Passaram uma longa temporada na Cidade Maravilhosa, apresentando-se em praça pública, cinemas, teatros (inclusive Teatro Lírico) e na Rádio Clube do Brasil. Entre seus sucessos na época, vale destacar a embolada "Pinião" (Luperce Miranda/Augusto Calheiros), que foi a música mais cantada no Carnaval de 1928.
Na abertura dos shows do conjunto, o crooner Augusto Calheiros apresentava o grupo, dizendo:
"Cantamos canções do mato
Nem é outra a nossa ideia
Dizem que somos de fato
Os Turunas da Mauricéia.
E, referindo-se a si mesmo, acrescentava
Eu sigo os companheiros
Minha vida é a canção
Chamam-me Augusto Calheiros
O cantor do sertão."
Outro sucesso dos Turunas da Mauricéia foi "O Pequeno Tururu", também de Luperce Miranda e Augusto Calheiros. O conjunto chegou a gravar 17 discos e excursionar pelo Sul do Brasil, Argentina e Uruguai antes de se dissolver em 1929.
2. Augusto Calheiros
Nasceu nos arredores de Maceió (AL), em 5/6/1891. Era descendente de índios, mas sua família tinha uma boa situação financeira quando ele veio ao mundo.
No entanto, quando Calheiros estava com nove anos de idade seu pai faleceu, e a família começou a enfrentar dificuldades. Passados alguns anos, ele, já adolescente, mudou-se com seus familiares para Garanhuns em busca de oportunidades que os tirassem do estado de penúria em que se encontravam.
Aqui, na "Suíça Pernambucana", o rapazola pôde travar conhecimento com músicos locais e, com eles, passou a mostrar suas qualidade de cantor apresentando-se nos cinemas e teatros da cidade.
Paralelamente, foi microempresário (dono de bar, fabricante de sapatos e hoteleiro) e exerceu as profissões de subdelegado e carcereiro.
Em 1923, portanto aos 32 anos, transferiu-se para o Recife, onde começou a cantar na Rádio Clube de Pernambuco, inaugurada oficialmente naquele mesmo ano, a 17 de outubro.
No Recife, por conta de suas apresentações como cantor fez amizade com o bandolinista Luperce Miranda, cuja família, residente na Vila São Miguel, bairro de Afogados, era uma verdadeira orquestra, destacando-se os irmãos Luperce, João e Romualdo.
Dessa amizade, surgiu em 1926 o convite para participar como cantor do conjunto Turunas da Mauricéia, que estava sendo formado. Esse conjunto, como já nos referimos anteriormente, foi a sensação da segunda metade dos anos 20 no Rio de Janeiro.
Com a dissolução do grupo, em 1929, Calheiros deu início à sua carreira solo, mantendo um estilo próprio, cantando sobretudo músicas sertanejas.
Já a partir de 1931, passou a ser conhecido em todo o Brasil, emplacando sucessos, um após outro. Naquele ano, gravou para o Carnaval de 1932 os frevos-canções "Lalá" e "A Canoa Virou", ambas do maestro Nelson Ferreira.
Em 1923, sua popularidade levou-o a participar do show apresentado na recém- inaugurada "Casa de Caboclo", uma sala de espetáculos criada e dirigida pelo dançarino profissional Duque, localizada na Praça Tiradentes, dividindo o palco com Jararaca e Ratinho e Dercy Gonçalves, entre outros artistas de sucesso na época.
2.1 Maiores Sucessos
1933- "Revendo o Passado" (Freire Júnior) e "Flor do Mato" (Zeca Ivo/João de Freitas).
1934 - "E me Deixou Saudade" (Artur Costa/Milton Amaral), Mané Fogueteiro" (João de Barros) e "Caboclo de Raça" (Jerônimo Cabral/ Jararaca).
1935 - "Falando ao Teu Retrato" (Jaime Florence/De Chocolat) e "O Tocador de Violão" (Pedro Caetano/Claudionor Cruz).
1936 - Gravou os frevos-canções dos Irmãos Valença "Que Esperança, Meu Bem" e "Boneca sem Coração". Nesse mesmo ano, cantou no filme "Maria Bonita", da Sonoarte.
1937 - "Quero-te Cada Vez Mais" (Zeca Ivo/João de Freitas), "No Meu Sertão" (Ataulfo Alves) e "Foi da Bahia" e "Seresta do Norte", ambas de sua autoria com Manezinho Araújo.
1938 - Gravou, com Jararaca e Zé do Bambo, "Do Pilá" e "Engenho Moedô", de autoria dos três.
1939 - "Minha Vida em Tuas Mãos" (Luiz Bittencourt/Mário Rossi), "Vontade de te Amar" (Amado Regis/Avelar de Souza), "Ave Maria" (Erotides de Campos/Jonas Neves) e "Se Amas, Eis Feliz" (Antenógenes Silva/Oswaldo Santiago).
1940 - "Trinta Minutos" (J. Portela/Portelo Juno) e "Visão do Passado" (Ratinho/Aldo Cabral).
Por essa época, houve um intervalo de cinco anos nas gravações de Calheiros, que só voltaria a fazê-lo em 1945, com "Senhor da Floresta" (René Bittencourt), "Bela", de sua autoria, "Célia" (Augusto Calheiros/José Rezende) e "Caboclo Vingador" (Artur Gularti/José Colombo).
1946 - "Meu Ranchinho" (Miguel Lima) e "Dúvida" (Luiz Gonzaga/Domingos Ramos). Nesse período, era destaque como um dos campeões de vendagem de discos.
1947 - "Garoto da Rua" (René Bittencourt), "Prelúdios de Sonata" (César Cruz), "Fatal Desilusão" (Jaime Florence/Marcial Mota) e "Vida de Caboclo" (José Luiz/José Rezende).
1950 - "Adeus, Pilar" e "Pisa no Chão Devagar", ambas de sua autoria.
1952 - "Grande Mágoa" (José Luiz/José Rezende), "No Rio Tietê" (José Batista), "Se as Mulheres Quisessem" (de sua autoria), "Juquinha Mulato" (Oscar Belandi/Almeida Batista), "Serenata Matuta" (Levino Ferreira) e "Sonhando ao Mar" (David Vasconcelos).
1953 - "Sonho de Ilusões" (de sua autoria), "Sonata das Estrelas" (César Cruz), "Cabocla Pureza" (Átila Nunes) e "Saudade do Meu Norte" (Artur Gularti/Augusto Calheiros). Nesta última, ele faz referência à sua querida Garanhuns.
1954 - Regravou a embolada "Pinião" (Luperce Miranda/Augusto Calheiros) e gravou "Helena" (de sua autoria), "Pisando Corações" (Antenógenes Silva/ Ernani Campos), "Chuá, Chuá" (Pedro Sá Pereira/Ary Pavão) e "Audiência Divina" e "Mei Dilema", ambas de Guilherme de Brito.
1955 - "Adda" (Mário Ramos/Salvador Morais) e "Flor do Mato" (Zeca Ivo/João de Freitas).
2.2 Últimos Momentos
Como tantos outros artistas de sua época, Augusto Calheiros não administrou adequadamente tudo aquilo que a fama lhe proporcionou materialmente. Em consequência de uma vida de boemia inveterada, terminou os seus dias na pobreza e ainda por cima contraiu uma tuberculose.
Em seu socorro, veio o amigo Almirante (Henrique Foréis Domingues, cantor, produtor e apresentador de programas de rádio), que muito o admirava. Ele fez circular, especialmente no meio artístico, um original "Livro de Contos", com a finalidade de arrecadar os recursos financeiros necessários ao tratamento do cantor enfermo.
Em cada página do livro, havia uma quadrinha referindo-se à vida de Calheiros, sobre a qual o doador deveria prender uma nota de Cr$ 1 mil (ou um conto de réis). Chegou-se a arrecadar CR$ 114 mil (ou cento e quatorze contos de réis). Aqui, em Pernambuco, quem pedia doações para ajudar o cantor era o deputado-radialista Alcides Teixeira, em seu "Programa das Vovozinhas", um dos mais ouvidos do rádio pernambucano.
Em 1955, Almirante organizou, em São Paulo, o "II Festival da Velha Guarda", colocando Augusto Calheiros como destaque do evento. Essa foi a última homenagem feita em vida ao cantor.
Iniciava-se o ano de 1956, e logo no dia 11 de janeiro calava-se para sempre a voz da "Patativa do Norte", restando a toda a sua imensidão de fãs o consolo de poder ouvi-la nas gravações feitas pelo cantor ao longo de sua carreira.
Em disco de 78 rotações, ele gravou 154 músicas, a maioria de estrondoso sucesso em todo o Brasil. No que se refere a LP, ele só gravou dois: "A Patativa do Norte" e "Caboclo de Raça".
De sua descendência, só se soube até hoje da existência de uma filha, chamada Cleide, cujos destino infelizmente desconhecemos.
Isso era tudo o que tínhamos para revelar aos senhores e senhoras sobre a vida e a carreira do cantor e compositor Augusto Calheiros, que, como vimos, passou boa parte de sua vida nesta cidade de Garanhuns, que ele amou e homenageou em uma de suas músicas.
Muito obrigado a todos pela atenção.
*Jornalista, pesquisador e revisor. (Palestra realizada no II Festival de Literatura de Garanhuns - FLIG / 2007).
O poeta e escritor João Marques foi o coordenador geral do II Festival de Literatura de Garanhuns, a quem devemos a realização do evento e o empenho do prefeito Luiz Carlos de Oliveira.
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