sábado, 2 de novembro de 2024

Homenagem a Augusto Calheiros - II Festival de Literatura de Garanhuns

Gilvando Paiva (foto)*

O ciclo de palestras do II FLIG foi concluído com o jornalista Gilvando Paiva falando sobre Augusto Calheiros, considerado a patativa do Norte, ao ensejo dos 50 anos de sua morte. O próprio conferencista entoou alguns dos sucessos que consagraram o homenageado, à noite do sábado (7). A seguir a palestra.

1. Antecedentes

O sucesso da música típica nordestina no sudeste do país começou no limiar do século passado com João Teixeira Guimarães (que mais tarde viria a ser conhecido como João Pernambuco). Ele nasceu em Jatobá (PE), em 2/11/1883.

Ainda adolescente, foi morar no Recife, onde conheceu cantadores famosos e com eles passou a se apresentar em feiras. Foi nessa época que aprendeu a tocar violão, tornando-se exímio violinista logo cedo.

Em 1902, aos 19 anos de idade, foi para o Rio de Janeiro e ali fez amizade com grandes músicos que estavam em evidência, e estes lhe puseram o apelido de João Pernambuco.

Alguns anos depois, conheceu o poeta maranhense Catulo da Paixão Cearense, que fazia sucesso publicando livros de versos e modinhas. Mas, até 1912, Catulo ainda não havia produzido nada em linguagem sertaneja, principalmente com motivos nordestinos.

Certo dia, Catulo entusiasmou-se com uma música denominada "Coco das Emboladas" que João Pernambuco estava cantando em uma  de suas apresentações. E, plagiando a melodia, compôs "Caboca de  Caxangá", utilizando palavras colhidos do repertório de João Pernambuco. Porém, nas  edições impressas e gravações, Catulo não colocou o  nome do parceiro.

O fato repetiu-se em 1915, quando Catulo compôs "Luar do Sertão", apropriando-se de melodia de João Pernambuco, mas registrando-a apenas em seu nome.

Durante a década de 1910, a nova moda musical, com temas sertanejos, especialmente os nordestinos, passou a dominar os meios culturais da capital da República, com inúmeras publicações e revistas-teatrais abordando o tema.

Em 1914, por exemplo, nos três dias de Carnaval desfilou pelos principais pontos da cidade o conjunto popular denominado "Grupo do Caxangá" cantando músicas sertanejas. Dentre seus componentes, com roupas típicas e chapéus de palas dobrados exibindo seus  nomes-de-guerra, estavam, além do idealizador João Pernambuco, ostentando no chapéu o nome Guajurema. Donga (Zé Vicente), Caninha (Mane do Riachão) e Pixinguinha (Chico Dunga).

1.1 Os Turunas Pernambucanos

Em 1921, esteve no Recife o conjunto "Oito Batutas", liderado pelo flautista Pixinguinha e que surgira por influência do "Grupo do Caxangá". Suas apresentações na Capital pernambucana inspiram a criação de um novo conjunto regional. Nascia assim os "Turunas Pernambucanos", cujos integrantes eram, entre outros: Severino Rangel (Ratinho), saxofone; José Calazans (Jararaca), violão e canto; e Romualdo Miranda (Bronzeado), violão. Havia ainda outros componentes com violão, cavaquinho, reco-reco, pandeiro e ganzá.

No ano seguinte, 1922, os Turunas Pernambucanos foram para o Rio de Janeiro se apresentar no cinema Palais. Durante essa temporada, outros músicos que já moravam no Rio uniram-se ao grupo, como Felinto de Morais (Caxangá), violão; Jacob Palmieri (Jandaia), pandeiro; e João Guimarães (João Pernambuco), violão.

Nessa turnê, várias músicas interpretadas pelo grupo tornaram-se sucesso, principalmente as compostas por Jararaca: "Vamo Apanha Limão",  "Espingarda... pá" e "Sapo no Saco".

1.2 Os Turunas da Mauricéia

Em janeiro de 1927, chegava ao Rio de Janeiro outro conjunto musical recifense. Denominava-se "Turunas da Mauricéia", nome sugerido pelo historiador e jornalista Mário Melo numa alusão a época da  presença holandesa em Pernambuco. Dentre seus componentes, destacavam-se: Augusto Calheiros, já com o apelido de "Patativa do Norte", devido à sua voz afinadíssima e seu jeito peculiar de cantar; Romualdo Miranda (Bronzeado), violão (seu irmão Luperce só juntou-se ao grupo meses depois); João Miranda (Riachão), bandolim; e Manoel de Lima (Periquito), violão.

Passaram uma longa temporada na Cidade Maravilhosa, apresentando-se em praça pública, cinemas, teatros (inclusive Teatro Lírico) e  na Rádio Clube do Brasil. Entre seus sucessos na época, vale destacar a embolada "Pinião" (Luperce Miranda/Augusto Calheiros), que foi a música mais cantada no Carnaval de 1928.

Na abertura dos shows do conjunto, o crooner Augusto Calheiros apresentava o grupo, dizendo:

"Cantamos canções do mato

Nem é outra a nossa ideia

Dizem que somos de fato

Os Turunas da Mauricéia.

E, referindo-se a si mesmo, acrescentava

Eu sigo os companheiros

Minha vida é a canção

Chamam-me Augusto Calheiros

O cantor do sertão."

Outro sucesso dos Turunas da Mauricéia foi "O Pequeno Tururu", também de Luperce Miranda e Augusto Calheiros. O conjunto chegou a gravar 17 discos e excursionar pelo Sul do Brasil, Argentina e Uruguai antes de se dissolver em 1929.

2. Augusto Calheiros

Nasceu nos arredores de Maceió (AL), em 5/6/1891. Era descendente de índios, mas sua família tinha uma boa situação financeira quando ele veio ao  mundo.

No entanto, quando Calheiros estava com nove anos de idade seu pai faleceu, e a família começou a enfrentar dificuldades. Passados alguns anos, ele, já adolescente, mudou-se com seus familiares para Garanhuns em busca de oportunidades que os tirassem do estado de penúria em que se encontravam.

Aqui, na "Suíça Pernambucana", o rapazola pôde travar conhecimento com músicos locais e, com eles, passou a mostrar suas qualidade de cantor apresentando-se nos cinemas e teatros da cidade.

Paralelamente, foi microempresário (dono de bar, fabricante de sapatos e hoteleiro) e exerceu as profissões de subdelegado e carcereiro.

Em 1923, portanto aos 32 anos, transferiu-se para o Recife, onde começou a cantar na Rádio Clube de Pernambuco, inaugurada oficialmente naquele mesmo ano, a 17 de outubro.

No Recife, por conta de suas apresentações como cantor fez amizade com o bandolinista Luperce Miranda, cuja família, residente na Vila São Miguel, bairro de Afogados, era uma verdadeira orquestra,  destacando-se os irmãos Luperce, João e Romualdo.

Dessa amizade, surgiu em 1926 o convite para participar como cantor do conjunto Turunas da Mauricéia, que estava sendo formado. Esse conjunto, como já nos referimos anteriormente, foi a sensação da segunda metade dos anos 20 no Rio de Janeiro.

Com a dissolução do grupo, em 1929, Calheiros deu início à sua  carreira solo, mantendo um estilo próprio, cantando sobretudo músicas sertanejas.

Já a partir de 1931, passou a ser conhecido em todo o Brasil, emplacando sucessos, um após outro. Naquele ano, gravou para o Carnaval de 1932 os frevos-canções "Lalá" e "A Canoa Virou", ambas  do maestro Nelson Ferreira.

Em 1923, sua popularidade levou-o a participar do show apresentado na recém- inaugurada "Casa de Caboclo", uma sala de espetáculos criada e dirigida pelo dançarino profissional Duque, localizada na Praça Tiradentes, dividindo o palco com Jararaca e Ratinho e Dercy Gonçalves, entre outros artistas de sucesso na época.

2.1 Maiores Sucessos

1933- "Revendo o Passado" (Freire Júnior) e "Flor do Mato" (Zeca Ivo/João de Freitas).

1934 - "E me Deixou Saudade" (Artur Costa/Milton Amaral), Mané Fogueteiro" (João de Barros) e "Caboclo de Raça" (Jerônimo Cabral/ Jararaca). 

1935 - "Falando ao Teu Retrato" (Jaime Florence/De Chocolat) e "O Tocador de Violão" (Pedro Caetano/Claudionor Cruz).

1936 - Gravou os frevos-canções dos Irmãos Valença "Que Esperança, Meu Bem" e "Boneca sem Coração". Nesse mesmo ano, cantou no filme "Maria Bonita", da Sonoarte.

1937 - "Quero-te Cada Vez Mais" (Zeca Ivo/João de Freitas), "No Meu Sertão" (Ataulfo Alves) e "Foi da Bahia" e "Seresta do Norte", ambas de sua autoria com Manezinho Araújo.

1938 - Gravou, com Jararaca e Zé do Bambo, "Do Pilá" e "Engenho Moedô", de autoria dos três.

1939 - "Minha Vida em Tuas Mãos" (Luiz Bittencourt/Mário Rossi), "Vontade de te Amar" (Amado Regis/Avelar de Souza), "Ave Maria" (Erotides de Campos/Jonas Neves) e "Se Amas, Eis Feliz" (Antenógenes Silva/Oswaldo Santiago).

1940 - "Trinta Minutos" (J. Portela/Portelo Juno) e "Visão do Passado" (Ratinho/Aldo Cabral).

Por essa época, houve um intervalo de cinco anos nas gravações de Calheiros, que só voltaria a fazê-lo em 1945, com "Senhor da Floresta" (René Bittencourt), "Bela", de sua autoria, "Célia" (Augusto Calheiros/José Rezende) e "Caboclo Vingador" (Artur Gularti/José Colombo).

1946 - "Meu Ranchinho" (Miguel Lima) e "Dúvida" (Luiz Gonzaga/Domingos Ramos). Nesse período, era destaque como um dos  campeões de vendagem de discos.

1947 - "Garoto da Rua" (René Bittencourt), "Prelúdios de Sonata" (César Cruz), "Fatal Desilusão" (Jaime Florence/Marcial Mota) e "Vida de Caboclo" (José Luiz/José Rezende).

1950 - "Adeus, Pilar" e "Pisa no Chão Devagar", ambas de sua  autoria.

1952 - "Grande Mágoa" (José Luiz/José Rezende), "No Rio Tietê" (José Batista), "Se as Mulheres Quisessem" (de sua autoria), "Juquinha Mulato" (Oscar Belandi/Almeida Batista), "Serenata Matuta" (Levino Ferreira) e "Sonhando ao Mar" (David Vasconcelos).

1953 - "Sonho de Ilusões" (de sua autoria), "Sonata das Estrelas" (César Cruz), "Cabocla Pureza" (Átila Nunes) e "Saudade do Meu Norte" (Artur Gularti/Augusto Calheiros). Nesta última, ele faz referência à sua querida Garanhuns.

1954 - Regravou a embolada "Pinião" (Luperce Miranda/Augusto Calheiros) e gravou "Helena" (de sua autoria), "Pisando Corações" (Antenógenes Silva/ Ernani Campos), "Chuá, Chuá" (Pedro Sá Pereira/Ary Pavão) e "Audiência Divina" e "Mei Dilema", ambas de Guilherme de Brito.

1955 - "Adda" (Mário Ramos/Salvador Morais) e "Flor do Mato" (Zeca Ivo/João de Freitas).

2.2 Últimos Momentos

Como tantos outros artistas de sua época, Augusto Calheiros não administrou adequadamente tudo aquilo que a fama lhe proporcionou materialmente. Em consequência de uma vida de boemia inveterada, terminou os seus dias na pobreza e ainda por cima contraiu uma tuberculose.

Em seu socorro, veio o amigo Almirante (Henrique Foréis Domingues, cantor, produtor e apresentador de programas de rádio), que  muito o admirava. Ele fez circular, especialmente no meio artístico, um original "Livro de Contos", com a finalidade de arrecadar os recursos financeiros necessários ao tratamento do cantor enfermo.

Em cada página do livro, havia uma quadrinha referindo-se à vida de Calheiros, sobre a qual o doador deveria prender uma nota de Cr$ 1 mil (ou um conto de réis). Chegou-se a arrecadar CR$ 114 mil (ou cento e quatorze contos de réis). Aqui, em Pernambuco, quem pedia doações para ajudar o cantor era o deputado-radialista Alcides Teixeira, em seu "Programa das Vovozinhas", um dos mais ouvidos do rádio pernambucano.

Em 1955, Almirante organizou, em São Paulo, o "II Festival da  Velha Guarda", colocando Augusto Calheiros como destaque do evento. Essa foi a última homenagem feita em vida ao cantor.

Iniciava-se o ano de 1956, e logo no dia 11 de janeiro calava-se para sempre a voz da "Patativa do Norte", restando a toda a sua imensidão de fãs o consolo de poder ouvi-la nas gravações feitas pelo cantor ao longo de sua carreira.

Em disco de 78 rotações, ele gravou 154 músicas, a maioria de  estrondoso sucesso em todo o Brasil. No que se refere a LP, ele só gravou dois: "A Patativa do Norte" e "Caboclo de Raça".

De sua descendência, só se soube até hoje da existência de uma filha, chamada Cleide, cujos destino infelizmente desconhecemos.

Isso era tudo o que tínhamos para revelar aos senhores e senhoras sobre a vida e a carreira do cantor e compositor Augusto Calheiros, que, como vimos, passou boa parte de sua vida nesta cidade de Garanhuns, que ele amou e homenageou em uma de suas músicas.

Muito obrigado a todos pela atenção.

*Jornalista, pesquisador e revisor. (Palestra realizada no II Festival de Literatura de Garanhuns - FLIG / 2007).

O poeta e escritor João Marques foi o coordenador geral do II Festival de Literatura de Garanhuns, a quem devemos a realização do evento e o empenho do prefeito Luiz Carlos de Oliveira.

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