segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Provações coletivas

Aurélio Muniz Freire

Dr. Aurélio Muniz Freire*

A história da humanidade registra, em todo o seu  curso, a presença de calamidades (no passado e no presente), cujas marcas sempre se fizeram sentir mais  entre alguns povos ou regiões. Diante de tanto sofrimento coletivo experimentado por povos e nações, como explicar, pergunta-se, ser Deus, em tais casos, justo e bom para com esses Seus Filhos?

Se considerarmos que o homem vive uma só vida, seria de todo impossível, dentro de tais casos, encontramos, logicamente, a justiça de Deus. Não haveria sentido lógico na aceitação da unidade de vida, pois o  seu Autor estaria assim privilegiando uns  e condenando outros. Somente a lei da reencarnação, que nos assegura a sucessividade das existências como criaturas encarnadas, garante-nos que a justiça divina se cumpra para todas as nações e para todos os indivíduos, estejam aquelas e estes onde estiverem. É verdade inconteste funcionar o azzorague do Alto, chicoteando em todas as  épocas, sacudindo indivíduos e nações.

A tecnologia das comunicações aproximou-se as diversas regiões do mundo, tornando-as conhecidas pelos fatos nelas verificados. Desapareceram as barreiras, as  separações, as distância, pelas transmissões do quanto ocorra em qualquer parte da Terra. Nosso planeta, nesse campo, transformou-se numa aldeia global, como se estivéssemos todos morando bem próximos uns dos outros, quase vizinhos. A ciência das transmissões, pelo menos nessa parte, uniu a população deste mundo, quase a dizer sermos um território bem limitado, a despeito de parecermos gigantescos. Esse encurtar de distâncias seria como um dos milagres da ciência humana, tornando pequeno o nosso globo. Mas, perante a ciência natural ou divina, a natureza sempre foi exuberante, anunciando por suas leis e pela naturalidade de  seus efeitos o traço de união, ligando tudo, na gigantesca obra de Deus.

A extensão de nossas  terras não encontra na própria Terra separações, divisões. Ela se une por baixo de todos os lençóis. Somos, natural e geologicamente, uma união, formada de belezas mil, na ostentação de rochas, solos, mares, rios, lagos, povoando montes, serras e baixadas do nosso chão. O azul do nosso firmamento veste-se também de outras cores, atapetado de nuvens ora leves, de tons suaves, ora de tonalidades pesadas, revelando a presença de uma grandeza sem quebras, estendendo seu manto acolhedor sobre todas as regiões da nossa morada. Incontável número de astros luminosos, quais lâmpadas clareando a escuridão de nossas noites, engastados na imensidão dos céus, falam em palavras de luz, exibindo-se para a alegria e satisfação de todos os povos, fazendo-o sem distinções.

O nosso Sol, suspenso nas galerias do infinito, despejando a luminosidade dos seus raios, vestindo de claridade todos os orientes e ocidentes da Terra, visita continuadamente ricos e pobres, justos e injustos, sábios e ignorantes, bárbaros e civilizados, como a dizer que a sua luz não estabelece discriminações.

O ar, viajando o seu poder pela extensão de todas as superfícies, adentra-se na intimidade de nossos corpos, exprimindo-se como vida de nossas vidas, qual sopro de Deus, sem estabelecer diferenças. Sopram os ventos, beijando as paisagens de todos os caminhos, excursionando os campos do mundo, balançando nos  oceanos suas ondas, presenteando-nos com a  amenidade dos climas, quais viajores do infinito, igualmente residem na Casa dos homens, não fazendo a acepção de pessoas.

Assim é a natureza. Exemplo de vida e de união. Ela se constitui mestra de todos os homens. Daí a sabedoria antiga clamando a nossos ouvidos:

Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das Suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma  noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem nem palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a Terra se faz ouvir a Sua voz, e as Suas palavras até aos confins do mundo [Sl, 19:1-4].

Diante de tantos apelos naturais deste imenso laboratório divino, somente o homem ainda não entendeu essa linguagem a falar sem palavras. Desune-se. Desentende-se. Briga. Guerreia e mata. Incendeia campos, destruindo os mananciais da vida, envenenando as  artérias do planeta - nossos rios -, matando o verde dos campos, secando a exuberância das fontes, trancando as torneiras dos céus ou rebentando comportas das alturas, exterminando animais e plantas, aumentando o fogo do nosso sol, espalhando a fome, a desolação, a miséria e a morte. A natureza é um livro aberto. Mensagem de Deus a falar por todos os séculos, à teimosia do homem. Porém, ela respeita a maldade dos tempos "[...] para ferir a Terra com toda sorte de flagelos, tantas vezes quantas quiserem" [Ap, 11:6]. Depois, sem estender a linguagem silenciosa das eras, ainda reclamamos de terremotos, de inundações, de estiagens prolongadas, de tantas provas e expiações coletivas. Tudo isso constitui a forma de resgatarmos nosso desrespeito atual ou passado de nossas iniquidades, pela violência aos canais da vida, a natureza. Diante de tais fatos, parece estarmos no princípio das dores, consoante o sermão profético de Mateus: "[...] haverá fome e terremotos em vários lugares" [Mt, 24:7].

Diferente é o batismo do nosso tempo. Não adiantam processos de fuga. Fujamos, sim de nossos vícios, de nossas drogas. Quanto mais nos aprofundamos em viciações, quaisquer que sejam elas, mais estaremos nos afundando nos charcos do mundo, acendendo brasas, amontoando-as vivas e quentes sobre nossas próprias cabeças, pois também o fogo é outra forma atual de batismo. Leia-se "[...] Ele vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo" [Mt, 5:4].

A irresignação, o desespero, a revolta constituem outras sementes lançadas aos canteiros da vida. E, se temos liberdade para a semeadura, jamais a teremos para a colheita, porquanto somente iremos colher do quanto houvermos semeando. "A cada um segundo as suas obras". Nem todos quantos chorem, sofram fome ou vivam sedentos ou famintos de justiça receberão a misericórdia prometida. "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos" [Livro dos Espíritos - Questões 737 a 741]. Essa mensagem de Jesus dirige-se a quantos saibam, com sabedoria, receber as bênçãos divinas. O pranto do desespero, a loucura de injustiçados nada fazem senão alimentar as tempestades, as dores, o sofrimento, as desventuras da Terra, açoitando sua humanidade para, aprendendo a paciência nas aflições como exercício de resignação à vontade de Deus, possa o homem vivenciar o amor ao próximo, avançando mais rápido em moralidade, em prol de sua regeneração, buscando implantar o reino do Pai entre as criaturas.

A Doutrina Espírita oferece grandiosos ensinamentos sobre os flagelos destruidores, advertindo-nos de sua finalidade e de sua necessidade. O Livro dos Espíritos faz-nos conhecedores dos motivos maiores de tais provas e expiações em benefício do nosso crescimento espiritual como povo, como nação. Finalizamos a nossa resposta com palavras deste grande Espírito, Joanna de Ângelis:

Com frequência regular, a Terra se faz visitada por catástrofes diversas que deixam rastros de sangue, luto e dor, em veemente convite à meditação dos homens.  - Não constituem castigos ou catástrofes que chocam uns a arrebatam outros, antes significam justiça integral que se realiza - Enquanto o egoísmo governar os grupos humanos e espalhar suas torpes sementes, em forma de presunção, de ódio, de orgulho, de indiferença à aflição do próximo, a humanidade provará a ardência dos desesperos coletivos e das coletivas lágrimas, em chamamentos severos à identificação com o bem e o amor, à caridade e ao sacrifício.

*Jurista e escritor / Garanhuns, PE - 2011.

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