sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

O Relógio da Vida

Elias e Marly Lopes

Elias Lopes Lima Neto*

A convite de um dos seus diretores visitei, há dias, uma fábrica de relógios, nesta cidade. Era noite e os operários haviam largado o trabalho. Pude, assim, perfeitamente, analisar todos os modelos expostos e outros em fabricação, recebendo as explicações que me transmitia o meu amável cicerone.

E foi lá dentro, integrado ao ambiente, como fazendo parte de todo aquele mecanismo, que soube apreciar em toda sua grandeza a extraordinária valia que um relógio tem para quem o usa. Todos, afinal!

A FANTASIA E A SENSIBILIDADE

Os leitores talvez não saibam como impressiona agradavelmente uma parede coberta de relógios, batendo compassadamente, em cadência certa, marcando o tempo e a vida. Eu sei. E numa imagem perfeita posso afirmar que senti vida nesses relógios que me saudavam com o seu tic-tac, tic-tac, tic-tac.

A fantasia e a sensibilidade, aliados ao gosto de escrever, logo tomaram conta de mim. É por um relógio que se contam as horas e os minutos que faltam para alguém nascer; é por um relógio, muitas vezes o mesmo, que esse alguém passa a contar os anos, os dias, as horas, até os segundos que a sua vida tem de duração. Nos maus momentos sentimos que as horas não passam e os ponteiros não deslizam. Nos momentos felizes, como nos parece que esses mesmos ponteiros correm velozmente, com medo de nos darem um prazer demasiado longo! Mas um relógio, no seu tic-tac, tic-tac, assinala o tempo sempre com a mesma precisão. Não é ele que anda mais depressa ou mais devagar. É um outro relógio que trazemos no peito e que também marca a vida no mesmo tic-tac. Chamam-lhe coração - O relógio da vida.

A IMPORTÂNCIA DO RELÓGIO

Para tudo é indispensável um relógio. Se tentarmos saber em que situação ele é mais importante, decerto nos perderemos num labirinto de pensamentos, sem chegarmos a uma conclusão. Um relógio é importante no nascimento de alguém? Sem dúvidas. Mas apenas para marcar o instante em que se viu, pela primeira vez, a luz do dia. Este alguém não tem que obedecer a um horário rígido para vir ao mundo. Tanto faz chegar um minuto como uma hora mais tarde. Chega sempre a tempo.

Vejamos agora o inverso da vida - a morte. Principalmente a morte provocada contra vontade daquele que vai deixar a vida: o condenado

Desde o momento em que tomou conhecimento da sentença, inapelável, o condenado conta por frações mínimas o tempo que tem de vida! Primeiro são dias, depois horas, em seguida minutos, e finalmente, uns escassos segundos. E nesses supremos instantes da vida prestes a findar o condenado vive séculos. Passa em revisão o seu passado. Com ele tem saudades de tudo e como tudo lhe aparece com novo encanto! Com ele gostaria de retroceder no tempo e começar tudo de novo! Mas o tic-tac, tic-tac, tic-tac impiedoso, marca-lhe o limite na estrada percorrida.

Esse homem tem hora marcada com a morte. Ele sofre, chora e implora. Ateu uma vida inteira, converteu-se à fé cristã. Deus é sua última esperança. Mas Deus não o ouve, porque a sua fé não é verdadeiramente sentida. O condenado apenas pretende salvar-se, de qualquer jeito. Na sua alma jamais teve guarida a piedade. Foi duro, insensível, cruel. A morte vem buscá-lo.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac... Faltam 50, 40, 30 segundos. O condenado transpira, enlouquece, grita. Sente que não quer morrer, mas não pensou também que as suas vítimas não queriam.

E se o relógio parasse? Sim, ele poderia parar, podia deter a sua rota macabra, que a vida continuaria sempre igual. Que parasse ao menos uma hora... ao menos um minuto... Mas não, não para.

Tic-tac, tic-tac... Faltam 20, 15, 10 segundos, pronto, o condenado deixou de ser humano. Olhos a saltarem-lhe do rosto, coração a gritar dentro do peito.

Tic-tac, tic-tac, tic-tac... Faltam 5, 4, 3, segundos. São três pancadas que soam aos ouvidos do condenado como o choque de uma guilhotina.

Finalmente o relógio parou. O condenado já  não sofre nem faz sofrer ninguém. O seu último desejo foi cumprido: Parou o relógio. Não o do tempo, mas o seu; não por um minuto mas por toda a vida.

Deixem-me cuidar do meu relógio, para que  não pare no meio do caminho! (Garanhuns, 9 de setembro de 1978).

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