quarta-feira, 6 de agosto de 2025

O jogo do tempo

Luzinette Laporte de Carvalho* | Garanhuns, 27/08/1994

O tempo... Será que temos o gosto de jogar com o tempo? Com as datas, os números. De tudo fazer um "ludus". Ver as rugas desenharem-se no canto dos olhos. (Lembro Fernandel - o maravilhoso e genial cômico francês - em 'La vache et moi" (A vaca e eu). Cortando o território alemão, em plena guerra, fugitivo, correndo todos os riscos de vida para chegar à França. Indagada por um camponês que o ocultou de todo aquele risco, responde: "Quero ver as primeiras rugas se desenharem em torno dos olhos da mulher amada e se irradiarem até o sorriso, ao correr do tempo. Quero reencontrar minha terra de França e nela confundir-me, dormindo para sempre").

O tempo joga com a gente: apaga umas coisas, reaviva outras. É o enigma, por excelência, da vida. Dar-lhe atenção demasiada é perdê-lo. Ignorá-lo é perder-se.

O jogo do tempo devemos jogá-lo com AMOR. Este é o senhor do tempo: Eternidade. Plenifica-o, dá-lhe sentido. Ensina a sorrir, a chorar, a agradecer, a vibrar, a sentir saudade, a viver, a descobrir o profundo íntimo do ser em cada ser. O AMOR dá-nos a infância eterna, sem o perigo fatal da busca tola de uma permanência no que é imaturo, numa adolescência fixa.

Sendo Eternidade, o  AMOR é irradiação de paz, alegria, luz - absorve a dor e a transforma. É a realização de uma plena e segura madurez.

O jogo do tempo leva-nos de idade em idade felizes, seguros, tranquilos. Não que o mundo seja paraíso ou a vida cor-de-rosa. Mas a alma - mesmo em chaga - está em paz. E a paz é a saúde da alma.

Gosto do tempo: manhãs, tardes, noites, dias, semanas, meses, anos. Sol, chuva, garoa, bruma. Dor, saudade, encontro, desencontro, paz, alegria, amor. O tempo que floresce a natureza ora a cresta, impiedoso.

O tempo é volúvel... Não, o tempo é versátil: trágico, cômico, dramático, lírico... épico.

Vem ao nosso encontro - ou vamos ao seu encontro? - e traz-nos tanta coisa!

O passado, o presente. Inventa o futuro. Para que saibamos que ele continua quando nós não formos mais. Conhece a vida e a morte - sem limite -. Por isso é lúdico. Sabe que jogar (brincar) é a forma mais certa e profunda de as pessoas crescerem: recria a infância, a criança que não morre em cada um de nós.

Dá-nos o sinal do que não passa e do que não morre. Do que, em cada um de nós, é pedaço da Eternidade.

Gosto do tempo que um dia me transportará, no seu barco, à Outra Margem, onde ele desaparecerá e já não será senão a continuação do Eterno.

*Professora e escritora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Retalhos de Garanhuns - Volume XVI

Autor: Anchieta Gueiros & Ulisses Viana Tipo: Novo Ano: 2025 Páginas: 35 (Livro com Lombada Canoa e grampo) Medidas: 15x21 R$ 8,00 + fre...