terça-feira, 5 de agosto de 2025

As pedras se encontram

Palma florida no campo
Créditos da foto: Anchieta Gueiros

Manoel d'Almeida Filho | Garanhuns, 21/06/1986

Foi uma cena impressionante. Nunca mais pude esquecê-la, embora ocorrida há quase quarenta nos. Quando a recordo, há sempre quem a considere uma prova a mais de que todos nós temos existências sucessivas. Isto é, uma prova da reencarnação. Vou contar tudo agora, nesta crônica. Os leitores tirem também as suas conclusões.

Em 1947, viajava de Parelhas, no interior do Rio Grande do Norte, para Campina Grande, no interior da Paraíba. Viagem longa e cansativa, de caminhão, um meio de transporte ainda hoje usado e conhecido como pau-de-arara.

A viagem estava chegando ao fim quando se fez uma parada, a última, no lugar chamado de "As Farinhas" - um vilarejo de beira de estrada, com um posto de gasolina, um bar e até um pequeno hotel. Era uma encruzilhada. Prosseguia-se para Campina Grande ou se seguia para Monteiro.

Como os demais viajantes, saltei e depois de um cafezinho fiquei junto do caminhão à espera do motorista.

Parou então, um outro "pau-de-arara", que vinha igualmente dos confins do Nordeste. Seus passageiros saltaram e entraram no bar.

Perto da porta, onde o "meu" caminhão havia parado, um rapaz, companheiro de viagem, estava encostado com o braço esquerdo apoiado  na parede, como que segurando o corpo exausto da viagem.

Eu olhava com certa atenção porque esperava a saída, pela mesma porta, do motorista que nos levaria a Campina Grande.

Foi quando o inesperado aconteceu. Inesperado e brutal.

Um dos passageiros recém-chegados pelo outro caminhão parou e olhou aquele rapaz. Os dois se miraram. Eu os observava curioso. Por isto pude ver tudo... A cena do encontro durou talvez dois minutos. Os dois se olhavam firmemente. E suas fisionomias foram se alterando. Uma mudança impressionante. Aquele rapaz que viajara comigo, no mesmo caminhão, parecia um outro, tão grande era a alteração da sua face. Então, o recém-chegado deu um salto repentino, de incrível rapidez, e com uma faca-peixeira matou o outro...

Houve naturalmente, enorme alarido. Eu fiquei eletrizado, parado, sem poder sair do lugar. Parecia um pesadelo. Despertei quando o dono do bar, de revólver na mão, dava aos gritos, voz de prisão ao criminoso. Mas ele não teve qualquer reação, deixou-se prender passivamente.

Houve ameaça de linchamento, mas o dono do bar, sempre de revólver na mão, e falando muito alto, dizia que "lei é lei" e que o criminoso seria levado a Delegacia de Campina Grande. Fortemente amarrado, nas mãos e nos pés, o criminoso foi colocado no alto do caminhão. Parecia apático, alheio ao que faziam com ele.

Assisti à autuação do criminoso. O delegado foi informado pelos amigos do morto de que ele era incapaz de fazer mal a qualquer pessoa. Morava em Missão Velha, no interior do Ceará. E amigos do criminoso disseram o mesmo a seu respeito. Pacato, tranquilo, jamais agredira alguém. Vinha de Macaíba, no interior do Rio Grande do Norte, distante, talvez, mil quilômetros da cidade em que o morto vivera.

- Conhecia a sua vítima - indagou o delegado.

- Nunca o vi - respondeu, quase que em sussurro, o criminoso.

- Por que o matou?

- Porque ele ia me matar.

- Como é que você sabia, se ele nem possuía um canivete?

- Eu vi, seu delegado, que ele ia me matar...

- Como? Por que? - gritou o delegado.

- Não sei explicar nada. Mas quando ele me olhou e eu olhei para ele, senti, e ele também sentiu, um ódio que nunca senti. Não sei explicar. Mas éramos inimigos...

O tempo foi passando. Quando me recordo, busco qualquer esclarecimento da Doutrina Espírita. Sei que a individualidade é uma só, mudando de roupagem física, de acordo, com as necessidades de progresso moral. Em verdade os dois poderiam ser inimigos, vítimas, podemos dizer, do passado cheio de ódio irrefreável. Mas também não poderia ter sido o criminoso instrumento de Espíritos obsessores, que aproveitaram possibilidades mediúnicas dos dois para agirem com relativa facilidade?

Buscando esclarecimentos em "O Livro dos Espíritos", em "O Evangelho Segundo o Espiritismo" e outras obras espíritas, de Allan Kardec, Emmanuel, Bezerra de Menezes, André Luiz e tantos outros, concluo que, em verdade, só através da "porta estreita" do perdão, da tolerância, da humildade, encontraremos, todos nós, o caminho da redenção. Só mesmo o Espiritismo, ao permitir que conheçamos a Vida - a realidade da Vida, nos esclarece acerca da missão sublime, divina, que todos nós, sem exceção, temos na Terra: a missão de nos reformarmos intimamente! (Transcrito do Jornal O Monitor | 21 de Junho de 1986).

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