Meu martírio vem de não estar eu enquadrada no status quo. Não sou uma peça na máquina. Não estou encaixada no "sistema". (Não-permissiva, não-consumista, não-massificada).
Será que não compreendes que não és uma presa para mim, que não sou uma presa para ti? Que podemos ser únicos um para o outro? Tens coragem de crer em algo fora do "status quo"? Eu tenho. Vivo fora dele, em órbita extramundo. (Do espírito do mundo). Se sou fraca, é que sou forte.
Tento fazer-te compreender - porque te amo tanto - que é possível amar-te e amar a todos. Que a tua cota de intensidade, qualidade, quantidade de amor em mim, é total e diferente. E total não é cem por cento. Total é tudo. Sem números. Envolve o zero e o infinito, o positivo e o negativo, o tempo e a eternidade. Isto é, o agora e o aqui absolutos. O erro e o acento.
E diferente significa exclusivamente: coração não partilhado.
Todas as verdades não somam a verdade, como todas as crenças não somam a fé, nem todos os amores, o amor. Por isso, crer é um martírio, amar é um martírio. Ou a gente se consome toda ou não é possível a absoluta entrega.
Quando me tomas a mão, me tomas toda inteira. Porque há um processo de abandono e acolhimento em mim. Há um sim que não pronuncio, porém que é mais forte do que a palavra escrita ou falada. Dai por que, neste sim, anulam-se tempo e espaço. Inúteis se tomam os conceitos de ausência ou presença. A isto chamo lealdade, fidelidade.
Ainda que eu esteja cercada das solicitações do prazer, da vaidade. Solicitada à caça ou à armadilha. O valor está em permanecer, como se não houvesse, no mundo inteiro, senão uma face que nos apela, uma voz que nos comove, um gesto que nos toca, um ser que nos atinge em ternura exclusiva.
Fugir ao "sistema" é estar solta, no ar. Sozinha. Solidário, porém. E segura. Cheia de força e fraqueza, de medo e coragem, de luta e de paz, de treva e de luz. Martirizada e livre.
Há quem acredite que é impossível fugir ao "status quo". Vou contar-te o óbvio: o "status quo" é o que a maioria estabelece (u). Se fazes parte de uma minoria consciente... ou se apenas tentas "ser" então, há uma avalanche sobre tua cabeça. Arriscas não seres compreendido nem mesmo por quem te ama. É um risco terrível que corres. Podes perder tudo. Podes perder-te, esvaziar-te: encontrar o vazio semelhante ao dos místicos, e a plenitude não obstante. É um perder-se para encontrar-se. Um jogo de sabedoria, um perigo sobre tua cabeça e sob teus pés. Uma ameaça que te cerca.
Terás que ser como o deserto, o oceano ou o céu. Há lençóis d'água no subsolo, há terra que emerge, há nuvens. Então, nessa escuridão, nesse vazio, Alguém chega. (Ele já é). Antes que se realize o milagre do oásis, da ilha ou das nuvens, Ele é. Em tudo. Sempre. Por causa dEle, é-me difícil ajustar-me, con-formar-me ao "sistema". Sou comunidade e solidão, porque ele é palavra e silêncio.
Porque Ele é presença absoluta e estou sempre diante dEle, não quero / não posso cair de queda-premeditada. Posso cair por surpresa, fraqueza. Não por premeditação, algo frio como um crime planejado. Isso não posso. Porque eu O amo. E não quero feri-LO, como não quero ferir-te, porque te amo. Presumo que sintas um turbilhão querendo arrastar-me.
Meu ideal é fugir ao "status quo". É a luta por Ele e por ti - por causa dEle.
*Professora e escritora / Garanhuns, ano 2000.
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