quarta-feira, 2 de julho de 2025

Paralelos


João Marques* | Garanhuns, 01/11/2001

Almy Alves, do jornal Imprensa do Agreste, escreveu na edição da 2ª quinzena de outubro "Os Sem-Íris". E compara os antigos frequentadores do café a uns desvalidos. "É triste ver, hoje, muitos dos antigos frequentadores do Íris vagando pelas ruas de Garanhuns, sem ter um lugar para ficar". E mais à frente diz: "O café Novo Íris desabou e desapareceu da paisagem, na Avenida Santo Antônio". Eu, também. Por pertencer desde menino a esta paisagem, sinto como os mais velhos qualquer coisa que muda. Cresci subindo estes degraus e olhando para a imagem alta de Santo Antônio na Catedral. Deus livre de que a imagem do padroeiro desapareça, um dia , da cúpula da igreja. A Avenida, enfim, era bom que nunca mudasse. Pelo menos ficasse a sua cara, os traços mais agudos, sulcados pelo tempo. A prefeitura, os antigos prédios, como o da esquina da Rua Dom José; o dos portugueses, do lado de cima - relíquias, ao menos estas, para informarem que houve um passado.

VELHOS CAFÉS

Eu, também. Perambulo, quando não chego a outro café, um mais novo e que chegou com nome de "República". Velhos cafés! Enquanto não morrer o último  velho ou o último café, a vida será feita de saudade. Ainda! Mas eu morro, como o jornalista Almy Alves anda morrendo pelo velho Íris, quando veio sair da paisagem de minha terra uma casa, que era a imaginação, uma árvore, que era a forma, um pedaço do céu, que era a cor. O que se vai trazendo, de novo, não me ressuscita, e o meu velho - que vem da infância - fica lá, enterrado nas ruínas ou no canto de uma simples barraca desfeita. Eu tenho sepulturas por esta cidade toda. A do Café Íris é a mais nova. Chorada, porém, com o consolo de que a casa caiu de velha. Como na vida, todo o dia o sol desaparece e não torna na manhã seguinte. O que aparece é este sol que é levantado pelos nossos olhos. E só é visto pelos olhos que alvorecem. O sol e os olhos que se apagam com a noite, não tornam, quando já lhes foi demasiado o dia. O homem, como a casa e o sol, cai de velho. É natural! Triste, muito triste mesmo,  quando isto se dá à revelia destas naturalidades dos olhos e do sol. - Como as casas de importância histórica, que são demolidas à noite, às escondidas.

AVENIDA SANTO ANTÔNIO

Mas, meu caro Almy Alves, antes que todos os sóis se vão, e não tornem mais, admitamos um amanhecer de cafés e catedrais, de poetas e velhos jovens, de uma cidade iluminada realmente pelos olhos-sol da vida. O Arco do Triunfo, à Avenida Santo Antônio, do lado de cima e, cá, o Café Íris. Sentados a uma mesa, eu, você e Manoelzinho Gouveia. A casa de Ruber van der Linden lá, entre o Colégio Quinze, o Seminário e o Colégio Meridional. Cada uma destas instituições tem uma importância Histórica. A casa de Ruber van der Linden - O Castelinho - reúne toda a história, até a participação da cultura europeia na construção da cidade. A casa de "Seu" Câmara, perto da Catedral - como é bonita e como representa antigas residências! A do Dr. Walderedo, do lado  de baixo, bem na esquina da rua que vai para o Pau Pombo. Do lado de cima, bem à frente, o Hotel Familiar - este, indestrutível, por ter sido o começo do Gymnásio e pela sua construção, de um chalé antigo. Tudo isto numa área nobre - SESC, Pau Pombo, Catedral, Colégio Santa Sofia... Lá, em cima, perto do Centro Cultural, o Hotel Mota (onde foi, depois, o convento das mercedárias), o primeiro hotel da cidade. A casa de D. Sílvia Galvão, viúva de Celso Galvão, outro chalé bonito e histórico da Rua Dr. José Mariano. Do Café Íris, vê-se o prédio do Banco do Brasil, de 1923. O Banco de Garanhuns, do começo do século XX. Não se admite que venham a desaparecer estes arcos, estes janelões, por onde é visto o passado. Manoelzinho, de eterno amor a esta terra, dirige o olhar para algum canto do café e diz não admitir ser a Casa dos Lundgren demolida. Nem os eucaliptos cortados. A mesa estremece! Manoelzinho não morre, como esta cidade, de lugares saudosos! Garanhuns está longe de vir a ser um cemitério de suas próprias casas, de suas próprias fontes, de sua própria história. E, assim, o sol  que viesse surgir, não despontasse esta paisagem antiga, seria um negro espectro, não o sol, mas a silhueta da morte, numa alegoria em que a picareta substitui a foice. Outra Hecatombe em que parecem os olhos da paisagem. Os poetas perecem. O poetas e os velhos do Café Íris, a cada lembrança de um tilintar de pires e xícara, a cada sorvo de uma manhã que passa, quieta, pela garganta da velha calçada.

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.

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