segunda-feira, 21 de julho de 2025

Revelações - Parte XVIII

Luzinette Laporte de Carvalho

Luzinette Laporte de Carvalho*

Tomou-me a mão à orla do mar. Tão espontânea e puro o gesto... Senti-me menina. Andamos na noite... Tão leve natural foi o gesto que não nos olhamos. Não interrogamos sequer o que dizíamos. Continuamos. Tudo continuou. Não apenas um gesto, irmão. Um homem. Uma mulher. A praia. A noite. O barco lá adiante. A brisa. Conversamos. Há sempre o que dizer. Há paz na minha alma de mulher. Tu ias penetrando por mapas nunca dantes viajados. Também tu não sabias aonde estavas indo. Ou sabias? De que medo falavas? Eu não compreendia. E, ainda hoje, não compreendo. De que  medo falavas? O que estavas querendo dizer? Será que  o interpreto bem?

Gostarias que me esclarecesses, tu que és homem: de que medo falavas? Por vezes toda minha capacidade de percepção falha. Restam-me apenas evidências. E quando estas não estão aí, à minha frente, perco-me no saber estranho dos homens. Que não é o  meu próprio saber adquirido pela meditação. Obtido pela  prece e pelo estudo da misericórdia. Mas tu me  confessas tudo e eu não compreendo certos detalhes. Apenas ouço. Para que eu me possa entender. Para que tenhas com quem falar. Para que te saibas compreendido. Não vou estancar a confidência. Sei quão doloroso seria. Espero. Aquieto-me inquieta de não  poder atingir tudo. Há um monólogo prolongado em mim. Cheio de interrogações que torturam mais que as chagas. Eu gostaria de saber tudo. Pretensão-crime. Quem pode saber tudo? Passado - presente - futuro eu já conseguira condensar perfeitamente. Porque aprendera que só esta agora é. Porque aprendera muito vagamente, porém muito intensamente, o nome do absoluto. Desde que o aprendera, ficara senhora do tempo e, portanto, de certa maneira, do espaço. Espero que um dia eu te  explique isto. Porém, depois, depois. Depois do que? E depois é futuro. Ele, o que condensa vidas e a história no aqui e agora. Não adianta querer fugir desta única verdadeira realidade.

A realidade pode ser falsa? A mão na mão, gesto de amor findo? E por que a lembrança? Qual a mais persistente realidade? A de agora. E agora tomas ternamente na tua, a minha mão. E caminhamos pela praia. Agora tudo é ternura. Só ternura. Agora que os  homens se destroem. Ou fazem (a repugnante) corrida do ouro. Porque não veem e não se preocupam senão com aquilo que se pode comprar com o ouro. Toda a tortura do homem: desejar sem possuir.

Há outras moedas. Tão antigas quanto os séculos. valiosas mais, hoje, que nunca. Porém, é necessário ser  bom numismático para avaliá-las. Elas correm em  restritas mãos. De um grupo humano pobre. Estranhamente. Como podem ser pobres se suas moedas são tão valiosas que não admitem câmbio? A  mão na mão. A ternura. Tu cambiarias ternura? Como? O silêncio admirativo ou rancoroso dos que não são assim tão ricos em valores reais. O impulso do homem buscando a mulher na mulher. A violenta atração quebrando todas as convenções. O sentimento de querer. E a frustração de não ter. Não há moedas nas  casas-de-moeda que possa correr nessa transação. Faltam as palavras. Sobram os sentimentos e os gestos.

Agora. Aqui. Nem palavras. Nem gestos. Só o silêncio, profundeza dos sentimentos.

Medito. O sentido que se dá ao ouro. Por si mesmo, minério. Amoral. Como a pedra. A terra. A água. O fogo. Porém, cuja alma pode extinguir o nem maior. A  corrida do ouro. Da riqueza. Só se pode servir a um  senhor. Só a um se podem atribuir valores de certo quilate. Morrem os outros todos. Por causa de um. Caem todos os outros por um só. Exclusividade. Traduza-se: muita luta, muita dor, muita chaga. Ser capaz de ser uma . Capaz de se doar uma só vez. Capaz de migrar pelos vales / montanhas / mares / desertos de si-mesma. Sem trair. Cair por fraqueza, por surpresa. Ser traída por si mesma. Não pelos outros. Quem poderá tomar nas  mãos a gema, preciosidade única? Do ponto em que te colocares, vais ter - ou não - a perspectiva correta. Porém, jamais terás o direito à indiferença. Terás de  querer saber. Terás que deixar que a luz dardeje nos teus olhos. Como jatos de fogo.

Vagamente / intensamente saberás qual a força-luz desta afirmação primeira e última. O que te lançará não nos braços do homem, mas no lenho. Percorrerás caminhos sem mapa e sem traçado. Não haverá roteiros, mas sinais. Sempre haverá sinais. Constantemente saberás e sorrirás no silêncio de paz do teu ser. Como todos os que andam no deserto. Ou no mar. Ou no ar . Sem bússola. Mas com um cavalo e cães que farejam a fonte. Com um albatroz que indica terra. Com uma águia que acena cumes inimaginados. Os sinais aumentam. São discretos, porém.

Eu não sei (re)tornar. Foi-me dito: "basta"! E eu sei ao que se referia o basta! referia-se à dor que se nega.

Foi-me dito ainda. "continua"! Tenho que ir sempre em frente. Não haverá obstáculo que não seja contornável. Sou livre. Mas escolhi não (re)tornar. Escolha minha. Decisão minha. Estou (sempre) a caminho. Pus minha mão na dEle. Posso retirá-la se quiser. Por vezes. Ele retira a sua e me ordena seguir. Há  os sinais pelo caminho. Todas as necessárias indicações. Todos os (invisíveis) rastros. Na areia. Nas ondas. Nas pedras. Nas nuvens. Todos os indícios necessários. Basta observar. Isto eu te digo. E mais.

Vou andando, vou andando. Abrem-se fontes no deserto. Trilhos nas ondas. Rastros nas pedras. nas nuvens, clareiras. São os sinais. Perco de vista alguém, aqui e ali. Porque já chegou antes de mim. Foi mais  depressa. Ando em meu próprio ritmo. Antiga sou. Mais antiga que eles. Porém, fiz a descoberta bem depois. Caminho. Por enquanto, larguei a mão. Ando sobre relva. Ele me observa com amor. Seu preço (incalculável) estipulado é este. Não pede nada mais. Só amor. Ama. É uma ordem. Ama. É uma súplica. Ama é um conselho. Ama. É uma afirmativa. Basta este preço-sangue. Este preço-vida. este preço-tudo. Basta! Sim. Basta! E sobra. Para o agora. O aqui. Continua! Os passos se encaminham para a meta, ao sabor dos sinais. Sorrio intimamente e mim-mesma, convencida de que tudo é  certeza. A perda é ganho. Sorrio e avanço.

*Professora, jornalista e escritora | Garanhuns, PE - 2000.

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