quarta-feira, 30 de julho de 2025

Aula inaugural proferida pelo economista Rubens Vaz da Costa na FAGA em 1978

Rubens Vaz da Costa
Rubens Vaz da Costa

Oportunidades, Problemas e perspectivas no final do Século 20

1 - A inauguração de uma Faculdade de Administração e o início de suas atividades em Garanhuns, ocasião em que sou convidado a falar aos jovens de minha terra natal, levaram-me a refletir sobre o momento que estamos vivendo, as perspectivas que se abrem à humanidade e os problemas com que nos defrontaremos neste final de século. O tema é vasto e abrangente, pelo que não é possível senão aflorar os aspectos mais relevantes e dizer coordenadas gerais.

2 - Talvez fosse a hora de fazer reminiscências. Relembrar a Garanhuns de minha infância e adolescência, os amigos e colegas, homenagear os que se foram e falar do futuro da nossa cidade. As recordações que guardo vividas na memória, são agradáveis e as prezarei para sempre. As dificuldades do trabalho e estudo ajudaram a forjar o meu caráter. A orientação e os conselhos dos meus pais e mestres metem norteado em 50 anos bem vividos. Aqueles tempos foram belos, apesar da guerra que conflagrava a Europa e findaria por engolfar o Brasil e o mundo inteiro num conflito sem precedentes.

3 - Nossa cidade muito progrediu da década de 1930, a esta parte. Sua fama como centro de estudo se firmou e o país inteiro conhece a excelência do seu clima serrano. As primeiras indústrias modernas se instalaram. Está prosperando a agricultura, especialmente o cultivo do café, produto tradicional da região, que voltou a ter grande desenvolvimento. O turismo floresceu. As ligações com a capital em estradas asfaltadas e as telecomunicações abriram novos mercados e tornaram mais amena a existência nesta cidade onde a qualidade da vida é naturalmente boa. Outros sinais de progresso como os serviços da energia, água e televisão completam o quadro de comunidade que conquista seu lugar num país que rapidamente se urbaniza.

4 - Muito há, no entanto, por fazer em Garanhuns. Mas sua população trabalhadora, seus agricultores, industriais, comerciantes, profissionais liberais e líderes políticos, estão conscientes das oportunidades existentes e lutam pelo desenvolvimento do Município e pelo bem estar do povo. A inauguração dos cursos desta Faculdade é prova convincente do nosso anseio de progresso e grandeza. Talvez estejamos nos aproximando do sonho de Ruber van der Linden, no soneto "Garanhuns", que me permito recitar:

"Alcandorado no pendor dum monte,

Um casario a se elevar do barro.

Ruas em fila. A catedral, defronte

Artéria larga em torcicolo charro.


De grande, nada. Nem jardins, nem fonte,

Nem catadupa, nem grotão bizarro.

Vida bucólica. O gemer de um carro.. 

- De minha terra mais não sei que conte.


Mas num porvir, que meu sentir anela

- Já que o Progresso aqui radica -

Talvez descreva Garanhuns mais bela.


É que seus filhos, amanhando a terra,

Hão de fazê-la grande e forte e rica

Como os tesouros que seu solo encerra."

Após estas rápidas considerações, passarei a tratar do tema a que me propus hoje: as oportunidades, problemas e perspectivas neste final de século. A característica principal da era em que vivemos é, talvez, a rapidez do avanço tecnológico e das transformações porque está passando a humanidade. Este assunto tem sido aliás, objeto de ensaios e livros, dos quais um dos mais impressionantes é o "Choque do Futuro", de Alvin Tofler.

6 - Já estamos na era  da cibernética. Os computadores tornam-se coisa corriqueira e brevemente se transformarão em "eletrodoméstico" a ser utilizado em muitos lares. A calculadora eletrônica individual baixou de preço e está hoje ao alcance de quase todos. Será para breve, no Brasil, o jornalismo sem papel, isto é, aquele em que o repórter escreve a história num terminal de computador, as revisões se fazem noutros terminais, que automaticamente impõem o artigo, daí passando para uma fita magnética e para as impressora. O papel só entra no produto final, isto é, no jornal e na revista.

7 - As maravilhas dos macro-circuitos integrados, que concentram mais informações numa "ficha metálica" do tamanho de uma unha, de que os primeiros computadores que enchiam uma sala, são prenúncio do que a tecnologia poderá fazer pela humanidade. Já estão sendo programados computadores que realizarão a maior parte por afazeres domésticos, para não falar da automação das fábricas haverá mais tempo para aprimoramento intelectual, para tarefas mais elevadas e lazer para o ser humano, livre da maioria dos trabalhos pesados e repetitivos. E não estou falando em termos de "ciência-ficção", e sim da tecnologia já disponível e que começa a ser utilizada experimentalmente.

8 - Poderia referir-me a outras maravilhas da tecnologia, como o transporte para o espaço sideral, a engenharia genética, as conquistas na área da medicina e das artes bélicas, etc., que na verdade são quase todas produto da pesquisa e do conhecimento dos últimos 30 anos. Já foi feita, com justeza, a observação de que estão vivos 90% dos cientistas que a humanidade produziu. Mas, prefiro olhar agora o outro lado, nada brilhante, da medalha.

9 - Contrariamente ao otimismo dos que veem o futuro em termos de avanço tecnológico, há os que se preocupam com a explosão demográfica, a crise energética, a escassez de alimentos, os perigos da proliferação nuclear, a exaustão dos minerais mais úteis, a contaminação ambiental, a polarização do poder entre as duas superpotências, a degenerescência da civilização ocidental e outros perigos imaginários ou reais.

10 - Há, no fundo, um descompasso entre a rápida evolução tecnológica e o lento - se é que há algum - aperfeiçoamento das instituições sociais. Na  opinião de muitos, este problema é mais grave do que a possível escassez de bens físicos, a qual seria resolvida pela tecnologia, através da substituição decertas matérias primas não renováveis por outras e através do mecanismo do mercado.

11 - Dois exemplos ilustram o dilema. De um lado, o homem que vai a lua e retorna,  nutre os mesmos sentimentos básicos - amor, ódio, compaixão, crueldade, etc, que seus ancestrais da idade do fogo. Nas coisas básicas da vida em nada evoluiu, a despeito de toda a ciência que acumulou. Do outro lado a bauxita, minério superabundante transformada em alumínio vem substituindo metais que escasseiam. Mais dramático ainda é o exemplo da sílica, o elemento não metálico mais abundante na terra depois do oxigênio, que constitui a base da memória dos computadores, através dos circuitos integrados. Algo que não tinha valor, de um momento para outro, torna-se o cerne da evolução tecnológica.

12 - Não se pode tomar partido, sem maior reflexão, entre os dois grupos. Pode ser que a ciência resolva todos os problemas com que nos defrontamos. Mas, também pode ser que a crise de energia, somada à  escassez de alimentos e de matérias primas, corte a carreira brilhante da humanidade e retarde o seu progresso social e o desenvolvimento econômico por muitos decênios.

13 - Não se pode ocultar o fato de que  de que o planeta é finito. Portanto, logicamente, não pode haver nele crescimento infinito. Assim, também, são finitas as fontes de energia fóssil - carvão, petróleo, gás, xisto - e matérias físicas, como o urânio. Há quem ache que antes de meia dos do próximo século, estarão esgotados as reservas petrolíferas. Se até lá o hidrogênio líquido - ou outro substituto - não estiver disponível, terá terminado a era do transporte individual e coletivos de pessoas, bem como a movimentação de mercadorias, em veículos a motor de explosão, diesel ou a jato. Seria possível imaginar uma população de 12 bilhões de pessoas, a maior parte das quais vivendo em cidades, sem transporte? Seria viável a sociedade humana em tais condições?

14 - E por falar em 12 bilhões de pessoas, deve-se ter presente que a humanidade atingiu o seu primeiro bilhão por volta de 1850. Hoje somos mais de 4 bilhões e estamos adicionando um bilhão cada 12 anos. Quando deixará a espécie humana de crescer? Nos próximos cem anos? A que nível de população global? Não estaria na hora - e já não seria tarde - para começar o planejamento familiar em todos os países que ainda não o adotaram, especialmente o nosso?

15 - A contaminação do ambiente é perigo que podemos conjurar. Devemos parar de envenenar rios, lagos, mares, ar e terra, com os detritos e subprodutos das atividades humanas, agrícolas e industriais. Em alguns países esta preocupação deu lugar a programas bem sucedidos. Noutros, como o nosso, pouco ou nada está sendo feito. A população decorre de transferência de resíduos e efluentes não tratados e de sua concentração nalgum ponto do espaço. O homem realmente não criava elementos poluidores, até o advento da era nuclear, quando passou a produzir plutônio 239, o mais terrível poluente, que não existe em estado natural e que dura 24 mil anos. Reprocessado é a matéria prima da bomba atômica. É justa, pois, a preocupação com os mais perigosos poluentes que é justamente aquele que o homem com seu engenho e, quem sabe, em sua loucura, criou.

16 - Visto rapidamente o cenário do mundo, dediquemos agora um pouco de atenção ao nosso País. Há reconhecimento internacional que somos uma "potência" emergente" e o presidente da Alemanha, por ocasião da recente visita do Presidente Ernesto Geisel, vaticinou que no fim do século seremos uma potência mundial. Será que temos ambição de nos transformarmos em futuro mais longínquo em superpotência, como os Estados Unidos e a União Soviética?

17 - Vejamos o Brasil de hoje no concerto das Nações. Somos a sexta nação do mundo, com uma população de  115 milhões. Mais populosos que nós só a China, Índia, União Soviética, Estados Unidos e Indonésia. Em termos de crescimento demográfico somos a quarta nação. Crescem mais que nós, a China, 15 milhões de pessoas por ano, a Índia, 12 milhões e a Indonésia, 3,5 milhões. Três países orientais, três civilizações antigas,  três povos pobres. No ocidente, os Estados Unidos, com o dobro da nossa população, tem um crescimento anual inferior à metade dos 3 milhões de pessoas em que aumenta anualmente a população do Brasil.

18 - No que tange à área geográfica, somos o quinto País do mundo. Têm superfície maior que a do Brasil, a União Soviética, o Canadá, a China e os Estados Unidos. Estas dimensões, área geográfica, população total e crescimento demográfico, são importantes na avaliação da posição internacional de um País. Mas não são tudo. Há que incluir também a produção. Esta se mede em termos do Produto Nacional Bruto. Isto é,  a soma do valor dos bens e serviços produzidos num ano. Temos o 10º Produto Nacional Bruto do Mundo, pelo que nos situamos entre as economias mais fortes e poderosas do planeta. Mas, como estamos em termos de nível de vida e bem estar da nossa gente?

19 - Infelizmente, somos uma nação pobre. Com uma renda per-capita da ordem de US$ 1.450 por ano, ocupamos apenas o 47º lugar. E note-se que a riqueza no Brasil é muito mal distribuída, entre pessoas e regiões. Há poucos que ganham muito dinheiro e muitos que ganham muito pouco dinheiro. O nível de vida médio - o consumo familiar de bens e serviços - é baixo em comparação com o dos países desenvolvidos, como baixa é a expectativa de vida - o número de anos que em média vive cada pessoa - do brasileiro. Somos uma potência emergente, criamos respeitável parque industrial, nossa agricultura é  a quarta do mundo em exportações, mas somos ainda um povo pobre, em vias de desenvolvimento.

20 - Quando olhamos para o futuro, antevemos um Brasil com 200 milhões de habitantes no ano 2000 e uma produção equivalente a US$ 400 bilhões (de poder de compra em 1975), o que  nos daria uma renda per-capita de US$ 2.000, isto é, ainda um terço da renda per-capita atual do americano ou sueco.

21 - Para superar esta marca, é preciso que nossa população cresça a ritmo superior a seis por cento ao ano, o que  pode ser viável, pois no período 1968-73, a taxa de crescimento da economia brasileira superou 10% ao ano. Tal desempenho requer, no entanto, que encontremos soluções inteligentes e construtivas para certos problemas com que nos defrontamos no presente e que não haja crises internacionais de grande monta.

22 - Entre os problemas atuais, considero os de natureza política os mais importantes. É essencial que o projeto de distensão lenta e gradual do Presidente Geisel seja conduzida com firmeza, sem desvios ou recuos, e no ritmo que mantenha a confiança do empresariado nacional, dos investidores e banqueiros estrangeiros, que seja aceitável para os trabalhadores e que não provoque tumultos na área política. Esta conciliação de objetos requer sabedoria política, tino administrativo e muito patriotismo da parte de todos. Assim penso, porque me parece claro o desejo da nacionalidade de que  tenhamos menos autoritarismo, mais  liberdade, sem prejuízo da grande meta de construirmos um País poderoso, baseado numa sociedade pluralista, aberta e democrática.

23 - O aumento da dívida externa é outra dificuldade a vencer para podermos, com segurança, acelerar o crescimento econômico. Para conter o aumento da dívida necessitaremos exportar mais bens do que importaremos do exterior. Estes objetos são dos mais difíceis de compatibilizar, pois significa reduzirmos a participação da poupança externa nos investimentos. Isto só será possível com o aumento da poupança interna, isto é, da redução relativa do consumo. Mas, evidentemente, com uma das maiores dívidas do mundo, não podemos continuar dependendo, além de certo limite, do dinheiro de fora para crescer, nem deixar que a dívida com os estrangeiros cresça indefinidamente.

24 - Outro ponto crítico do nosso desenvolvimento no futuro imediato, é nossa dependência. Importamos 85% do petróleo que consumimos e por vários anos importaremos urânio para nossas centrais nucleares. Nosso "modelo" de desenvolvimento  fundamenta-se em energia abundante e barata. Assim era até 1973, quando os países da OPEP resolveram quintuplicar os preços do petróleo. Como até o momento somos um País pobre de combustíveis fósseis - petróleo, carvão - e físseis - urânio - precisamos saber com brevidade se há ou não em nosso subsolo as fontes de energia necessária a garantir nosso crescimento econômico a taxas elevadas, nos próximos 30 ou 40 anos.

25 - Daí porque foi sábia e oportuna a decisão do Presidente Geisel de permitir os "contratos de risco", com companhias estrangeiras, para a exploração da nossa plataforma submarina. Oxalá tenhamos êxito rápido na descoberta de petróleo em grandes quantidades.

26 - O Brasil potência do ano 2.000 ainda estará dependendo de tecnologia importada em valores consideráveis. Por isso é imprescindível que criemos  a base científica - formando gente - para produzir nossa própria tecnologia. Os investimentos são vultosos e será necessária a concentração de recursos nesta área. De grande ajuda será uma política esclarecida e bem definida de importação e adaptação da tecnologia estrangeira. Os exemplos do Japão e da União Soviética, no campo tecnológico, indicam opção a ser considerada com muita seriedade.

27 - Não poderia deixar de me referir ao problema dos desequilíbrios regionais, ao falar do Brasil do futuro. Este é um ponto débil, no qual os esforços feitos não bastaram para atingir a meta de todos os governos, a partir de 1950, isto é, a redução das disparidades. Elas continuam aumentando, ampliando o fosso que separa o Brasil do Sul, próspero, comparável a países industrializados e o Nordeste sofrido e pobre, onde vivem 35 milhões de brasileiros.

28 - Temos problemas sérios, é verdade. Mas num mundo incerto, talvez nenhuma País ofereça o potencial de crescimento do Brasil. Somos nós, os seus filhos, especialmente os mais jovens, que devemos transformar o potencial em realidade. E sou otimista porque de maneira pacífica e ordeira superamos obstáculos no passado e vencemos dificuldades, sob condições menos favoráveis, do que as que desfrutamos hoje.

29 - Assim, jovens de Garanhuns, o futuro vos pertence. A ele, com entusiasmo e patriotismo, para juntos, construirmos o Brasil potencia ainda neste final de século!

Rubens Vaz da Costa.

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