Pum! foi a primeira machadada no tronco do juazeiro. E cortou quase totalmente o caule que com outros formava o tronco tortuoso e canelado. A pancada assustou dois passarinhos, que voaram abandonando a árvore. Zé Pequeno, que passava, viu se aproximou. Havia um pequeno ajuntamento de gente ao redor do juazeiro. Três homens, de machado nas mãos. Eram os encarregados de derrubar a árvore. Zé Pequeno, compreendendo o que se passava, partiu e vupt! prostrou as mãos no peito do lenhador e o empurrou para trás. Caiu sentado no chão à pouca distância. Valente, Zé Pequeno aos gritos ameaçava os homens. Essa árvore vocês não cortam! digam lá - e apontava para o lado da Prefeitura - Digam lá, que Zé Pequeno é pequeno, mas não deixa! E, falando muito, disse que estava disposto a tudo. Morrer se fosse preciso.
Dessa vez, os homens de machado se recolheram. Ficou todo o mundo muito admirado. Não cortam! e permaneceu algum tempo sentado no chão debaixo do juazeiro. Na realidade, o tipo físico de Zé Pequeno não podia impedir os homens. Foram-se em respeito a quem mais fala e defende o povoado. Todo o mundo o respeita e não lhe faltam cumprimentos por onde passa. Autodidata, sabe muito História e Direito. A árvore tinha história e profundo vínculo com o povo.
Na festa de Reis, o povoado ficava adornado de fitas e papéis coloridos. A árvore iluminada com pequenas lâmpadas e cores pelos galhos. O juazeiro, no centro da pracinha, era o principal rei da festa. E, em todo o tempo, os habitantes procuravam sempre a sua sombra. Conversavam por horas ao abrigo de suas folhas. Zé Pequeno guardava o juazeiro, com as recordações da infância. Menino, brincava à sombra. Muitas vezes, escalava os galhos e se misturava à árvore amiga.
Zé Pequeno, de alma grande, foi o único a empurrar o homem de machado na mão. Os machados voltaram depois, contudo, amedrontando passarinhos e afastando pessoas comprometidas com o poder político. Zé Pequeno não quis ver e ficou em casa, amuado. Escutava, aflito, as machadadas no tronco, e admitiu ser isso o começo de uma grande maldição.
O sol intenso do Nordeste crestou logo a folhagem que ficou espalhada. A madeira, apenas, foi cortada aos pedaços e recolhida. As folhas do juazeiro eram vistas, agora, secas. O vento intenso correndo pelas poucas ruas e pelo descampado de fora. Não custou, e tudo se espalhou. As folhas secas, por toda a parte, tornam a paisagem mais seca. Não há chuva. O estio estendido, com seu vento tórrido espalhando mais as folhas mortas. Ninguém pode esperar muito tempo. Não há água, não há verde. Os passarinhos migram. E os habitantes do povoado começam a buscar outras plagas.
Cena final do conto. Zé Pequeno está de pé, está exatamente onde foi derrubado o juazeiro. Olha para cima, para o céu enxuto. Em redor, ninguém mais. Uma cachorrinha apenas, Baleia, como em Vidas Secas. Espera insistentemente. Percebe nos olhos do animal faminto que não pode mais ficar. De repente, aponta no extremo da rua um homem alto e magro. A tiracolo, além de matolão, um cantil revestido de pano verde. A cachorrinha se anima e dá uns poucos latidos, em boas vindas. O homem, com olhos esgazeados, parece mais uma miragem. De longe, assemelha-se a um profeta bíblico, porque carrega e se apoia em um bastão comprido. Aproxima-se e, imediatamente, faz um sermão. Aponta para os lados, como se estivesse falando a pessoas. Zé Pequeno olha para a cachorrinha, que se mantém admirada, balançando a cauda. E diz: Esse homem é mesmo doido! O visitante se cala e sai, em sua peregrinação. Zé Pequeno, baixando a vista, contempla ainda o lugar onde se firmava a árvore. Nisso cai-lhe uma lágrima no chão. E vai-se em seguida. A lágrima é absorvida imediatamente pela terra seca. E fica no solo como uma semente de água, que na partida, despenca da alma. Zé Pequeno teria tido esse pensamento na partida. Partir, com a esperança de voltar. Com efeito, guardou e foi levando do louco estas palavras, que ouviu: E surgirão brotos do solo seco, crescerão árvores e a vida vencerá a maldição.
*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor. Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.
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