segunda-feira, 14 de abril de 2025

As Belas Artes sob o Império Romano


Alfredo Correa Rocha, Garanhuns, 27/08/1977

O Império Romano, o único que por depoimento da história dominou o mundo de sua fase - e longa que foi essa - mediando do século VII antes da era  cristã até o V século depois de  Cristo, fundamentou suas artes nas concepções do espírito helênico, copiando-lhe o arrojo e o fausto de suas projeções. Notório é porém o fato de que Roma mais se  atinha à suntuosidade do  que à pureza, mais ao espetacular do que ao estético, fosse pela imensa ambição de enriquecimento domínio, fosse pelo espírito aventureiro de seus  conquistadores mais de humilhar e desolar nações do  que propriamente de cimentar princípios altamente civilizadores para a posteridade.

A arquitetura, a pintura, a música, o teatro e a literatura, passaram da Grécia para Roma com desvirtuamentos irremediáveis, cabendo apenas uma exceção no apuro e perfeição a que  chegou do Láscio sob o indiscutível zelo de seus grandes pensadores. Ora nota-se bem que língua e literatura muitas vezes divorciam-se na consecução de um todo ideal, porque se uma é base como étimo de um povo, outra é arte a pesquisar, riqueza a criar.

Houve, porém, a época de um Mecenas e por caprichos da história, a mesma época em que viveu uma  das maiores inteligências e virtudes no trato com o imenso império, que foi Otaviano Augusto, cujo reinado, não longo, coincidiu com as primeiras décadas da era cristã.

E foi essa figura singular, descendente legítimo da  cruenta raça dos Césares, franzino, pálido, coxeante de uma perna, que se constituiu no ídolo de seu povo, como grandeza diametralmente oposta aos Césares que o precederam e aos que lhe sucederam, por empenhar-se com profundo afã em humanizar tudo o que  era desumano e em dignificar o nome do seu império para a história, pela intransigência na formulação e na aplicação das leis.

Já não sendo pequena essa soma de virtudes, conforme testemunho de seus grandes biógrafos, as belas artes conviviam com o notável romano, que constantemente abrigado em seu   manto simples, calçando sandálias comuns e abraçando numerosos tomos de  prosa e poesia, ia procurar a vivenda de Mecenas, entre acantos, carvalhos e rosais, para com os seu amigo codificar e catalogar todo o pujante acervo do pensamento egípcio e do grego, para amalgamar no Império Romano uma civilização de cunho moral e espiritual, ainda que sob a égide do politeísmo, isto é, da multiplicidade de deuses com que a mitologia abarcava as concepções do espírito romano.

As saturnais festas pagãs em que o populacho se engolfava em determinadas épocas do ano, foram profundamente alteradas por  Otaviano que a elas emprestou um cunho de decência, punindo os prevaricadores nos excessos públicos e montando guardas armados por toda Roma para proteger as mulheres, as crianças e os anciões. No teatro e nos circos proibiu a obscenidade e a violência, pois profundo adepto de Sócrates, antevia, como pregara em várias ocasiões, que até o seu governo o Império Romano estava eivado de crimes e  violências, em nome de civilização mais dada à luxúria e ao gozo sem freios, do que à edificação das  gerações vindouras.

Um dos eminentes historiador latino, referindo-se ao diálogo estabelecido entre Otaviano e Herodes, O Grande, a monstruosa fera da Judéia ao tempo do Nascimento de Cristo, estabelece este quadro:

- "Nobre Deus do mundo, diz-lhe caviloso, o flagelo de Judá, a minha pátria está gratificando tua bondade com a traição. Um menino da gente desvalida e inculta, filho de um rústico carpinteiro, aglomera e embriaga toda a maioria do povo judeu que é ralé, como sendo o futuro rei do meu povo".

Otaviano fita Herodes com seu olhar altivo, pensa na série de assassinatos perpetrados por aquela hiena que tem à sua frente, inclusive a recente execução da própria esposa e de dois filhos, e redargue ao tirano: 

- "E que providências tens tomado para que teu reino e de pósteros seja assegurado contra a  ameaça?".

- "Ó poderoso, mandei decepar as cabeças de todas as crianças de um a dois anos de existentes no reino que me deste, pois dois solstícios já foram decorridos do nascimento desse príncipe do lodo e da ignorância. Mas dizem, magnânimo, que a terra abriu-se e o engoliu juntamente com seus pais, pois pus ao encalço deles meus melhores homens, soldados e mercenários, e nem de um roteiro sequer me foi dado contas. Em consequência disso, já mandei justiçar vários homens de minha maior  confiança".

- "Escuta meu conselho, Herodes, tornou-lhe Otaviano; se assassinas teus homens de confiança, estás negando a ti mesmo tua condição de governante. Prossegue, sem violências, nas buscas, e traze-me esse  menino. Bota-o em tua carruagem ornada de ouro e  pedrarias, leva-o ao porto de Jope para que um de meus barcos que mandarei ornar para que se torne digno dos príncipes, traga-o a Roma, ao meu palácio, que  sem impiedade e sem falsidade no coração quero dedicadamente apreciá-lo, estudá-lo, e se puder comprovar a ideia que faço desse evento, também como o teu povo quero adorá-lo e tê-lo como meu rei, pois estou plenamente convicto de que  o escárnio de teu povo, pelos abusos de antecessores meus e pela chaga purulenta que és, como o seu rei, nada deixarão para a história do mundo se não o extremo aviltamento da espécie humana. Retira-te da  minha frente, Herodes, que me fazer mal".

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