sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Aquela copa do mundo

Luiz Souto Dourado*

Das Copas do Mundo com participação do Brasil, lembramo-nos de algumas.

Em 1938, ainda estudando em Garanhuns, acompanhamos os jogos pelo rádio, transmitidos por Gagliano Neto com a mesma vibração e entusiasmo dos atuais locutores e com a vantagem, para ele, de não vermos o que descrevia, como acontece hoje na televisão.

No jogo de quartas-de-final, entre o Brasil e Tchecoslováquia, o goleiro deste País - Planika, salvo engano - não deixou passar nada, terminando empatado. Houve protestos e passeata pela cidade e pelo Brasil afora. Na outra partida, vencemos por 2 x 1, tendo Leônidas feito um gol, não recordamos bem se de bicicleta ou sem chuteira, mas um golaço do "Diamante Negro", como ficou conhecido desde então.

Nos jogos decisivos existe sempre um lance que ninguém esquece. Naquele contra a Itália, na semifinal, foi o pênalti de Domingos da Guia em Piola, e que praticamente nos tirou o Campeonato do Mundo naquele ano; um pênalti por sinal duvidoso, como acharam naturalmente todos os brasileiros, numa época em que não existia televisão nem vídeo-tape para conferir...

No ano seguinte começava a Segunda Guerra. O jogo era outro. De matar ou morrer. Planika, que não deixava passar gols, deixou, com os seus compatriotas, que as tropas nazistas passassem pelas fronteiras e dominassem o  seu País. No nosso lado, em vez de protestarmos contra jogos de futebol, fazíamos comícios protestando contra o afundamento dos nossos navios, em nossas águas, por submarinos do Eixo.

Depois da guerra, em 1950, o Brasil construiu o maior estádio do mundo - o Maracanã - preparou uma equipe treinada por Flávio Costa, e ainda mais, fez a cabeça do povo, convencendo-o da certeza da vitória. Já éramos campeões do mundo por antecipação; já estavam prontas as manchetes dos grandes jornais; já estavam preparados no estádio os onze jeeps embandeirados e floridos para o desfile triunfal dos vencedores. O jogo começou. Jogávamos pelo empate e Friaça  já fizera o gol que nos dava vantagem no placar ou seja, o ambicionado título. O presidente da FIFA já descera para apanhar a Copa, também certo da vitória do Brasil.

Foi quando aconteceu aquele lance fulminante, imprevisto, inesperado, como o pênalti de Domingos da Guia em 1938: Gigghia passa por Bigode, em que teria dado antes uma bofetada para intimidar, e, frente ao gol de Barbosa, consegue vencê-lo com um chute seco e certeiro. Começava a tragédia a ser montada, assistida por mais de 200 mil pessoas e ouvida por todo o País. E para completar, Schiaffino marcou o segundo gol.

Assistíamos ao jogo em casa, com Arthur e Augusto Reynaldo Alves. Tínhamos ainda esperança mas faltavam poucos minutos; tínhamos de nos valer de tudo, inclusive da superstição; naquele radiozinho verde o Brasil não podia ganhar. E corremos os três para ouvir no rádio do carro, rodando sem destino, aqueles angustiantes minutos finais. Que foram breves, brevíssimos. No final daquela tarde de 16 de julho de 1950, um silêncio monumental desceu sobre o Maracanã, construído especialmente para caber tamanha e fugidia glória.

Aquele grito de "gol", significando a vitória final, ficou atravessado em nossa garganta durante a copa de 1954 na Suíça, e só veio a explodir de 1958, na Suécia. Tínhamos então dois gênios no ataque: Pelé, um menino de apenas 17 anos, e Garrincha, um rapaz de pernas tortas, criador de passarinhos, e que nunca ia pelo lado que os jogadores pensavam que ele fosse. No final da partida, chamou o Rei da Suécia de "seu" Rei. Só ele, Garrincha  poderia cometer semelhante gafe: era um campeão do mundo e, muito e, muito mais, a alegria do povo do seu País.

Juscelino recebeu no catete os campeões do mundo como heróis nacionais. fazer o povo alegre era também uma meta do Presidente embora não fizesse parte do seu anunciado e vitorioso programa de metas.

*Jornalista, escritor, ex-prefeito de Garanhuns, deputado estadual / Recife, 14 de Junho de 1986.

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