terça-feira, 30 de abril de 2024

Aniversário de Uzzae Canuto

Uzzae Canuto Alves

João Marques* | Garanhuns, 05/11/1994

Estou no primeiro dia de novembro, terça-feira, escrevo a crônica e, hoje ainda, entrego-a no jornal, para sair publicada no sábado. O pastor Batista João Tenório, neste dia, já terá voltado de Teresinha, aonde foi visitar Uzzae Canuto. A explicação, que dou, justifica que o tempo não para. O que disse que vai ser amanhã, quando sair a crônica no sábado, já foi... O tempo não para! A memória, sim! É preciso ficar nesta terça-feira, que começou chuvosa, e intensificar a lembrança num dia maior, como os da Criação, antes que a noite obstante possa eclipsar o dia.

João Tenório está indo a Teresina, hoje, levando, na bagagem, um ofício de parabéns do Grêmio, recomendações de amigos, um abraço de Garanhuns ao aniversariante, que faz 87 anos amanhã.

Haviam dito que Uzzae Canuto completaria 90 anos. A festa seria das nove dezenas de anos. O ofício chegou a seguir assim, referindo-se aos noventa anos que ainda não chegaram. "Foi equívoco de uma parenta", numa informação, consertou João Tenório antes de viajar. Vá lá o ofício dos noventa, pensei. Os 87 vividos valeram pelos 90 anos que não chegaram. Noventa ou cem? Um século de Uzzae Canuto, de vida honrada. Um dia vivido intensamente pode equivaler a dois ou três outros. Pelo calendário, o aniversariante tem 87 anos. Mas, no livro das virtudes, quantos anos e mais não terá?

Na transcendência, pois, deste dia, a festa de amanhã em Teresinha por todos os anos bem vividos. João Tenório chega lá, entrega o ofício, as mensagens de felicitações o abraço de Garanhuns e o homenageado chora as lágrimas daqui primeiro, depois, as lágrimas dos anos de alegria. Os "noventa anos" não serão demais aos olhos de quem sente saudades. Nada é pouco ou muito, para quem relembra com amor. Estando longe, a distância não é mais que uma pequena légua, o tempo, este não tem conta. A saudade é viva e o nosso Uzzae Canuto vive, em Teresinha, da saudade eterna de Garanhuns. Na carta, que me mandou há pouco tempo, diz: "É grande minha saudade. Não é minha lira que geme e chora é a própria alma. Ah! Quem me dera voltar à minha terra, aonde sei não torno mais".

Havia pedido a João Tenório uns dados biográficos, para a crônica, e ele, antes de viajar levando a bagagem de saudação, deu-nos, assim: 

"Nasceu em Canhotinho em 2 de novembro de 1907. Filho de Manuel Canuto e Josefa Canuto. Ginásio no Colégio Evangélico XV de Novembro. Formado pela Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Católica. Curso Teológico no Seminário Presbiteriano do Norte (Recife). Ordenado em 1936. Ensinou nos Colégios XV de Novembro e Colégio Estadual. Casado com Dona Zilda Alves Canuto. Cidadão Emérito de Garanhuns. Vereador nesta cidade."

Lembro-me de Uzzae Canuto, aqui, em muitos lugares da cidade. Na estação ferroviária, mandando flores para Recife. Em derredor da casa, na praça Souto Filho, cultivava flores, muitas flores bonitas, principalmente antúrios. Naquele tempo, porque eu gostava de ficar observando quem chegava e quem partia, via Uzzae Canuto com as flores, vestindo roupas simples. Aquilo me chamava mais a atenção, pois, sabia que era professor e homem de destaque na cidade. Disseram-me uma vez que uma senhora rica, certamente turista que acabara de chegar, mandou que lhe carregasse a mala até um ponto próximo e, tendo ele obedecido, foi-lhe fazer o pagamento do serviço, mas, sorrindo, o professor não aceitou e se despediu com muita gentileza, deixando a visitante, naturalmente, assustada. Sempre pensei que fosse ele americano. Não só porque ensinasse no Colégio Evangélico XV de Novembro, onde havia americanos, mas, sobretudo, porque o achava parecido com estrangeiro. Com efeito, sei hoje que Uzzae, com este nome bíblico, foi mesmo uma pessoa diferente.

Por bíblico, Matusalém viveu 969 anos e Uzzae Canuto, o nosso homenageado, viveria mais quantos anos, depois deste dia, como consideramos, transcendental? Mais três, pelos "noventa" e, Deus queira, mais o que lhe falta para se igualar ao patriarca, pelos novos votos de estima. Pela saudade, agora, como dissemos, os anos não contarão... Que mais?...

Senhor, que o entardecer de Garanhuns, deste e de todos os dias maravilhosos, componham antes da noite, a sinfonia da paz e da claridão da despedida. Se a noite há de vir, que seja breve como a viagem da volta e o novo amanhecer irrompa, como o sol vivo dos puros e com as flores umedecidas pelas lágrimas da emoção da alegria. Senhor, proteja o nosso amigo e aniversariante, Uzzae Canuto! 

*João Marques dos Santos, natural de Garanhuns, onde sempre residiu, é poeta, contista, cronista e compositor.  Teve diversas funções nas atividades culturais da cidade: foi Presidente da Academia de Letras de Garanhuns, durante 18 anos, Diretor de Cultura do Município e, atualmente, é presidente da Academia dos Amigos de Garanhuns - AMIGA. Compôs, letra e música, o Hino de Garanhuns. Mantém, desde 1995, o jornal de cultura O Século. Publicou quatro livros de poesia: Temas de Garanhuns, Partições do Silêncio, Messes do azul e Barro.

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